quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Amigos de Campo


Paulo sempre foi torcedor fanático do Nacional Futebol Clube e acompanhava o time para onde quer que fosse. Dentro de casa então, não perdia um jogo. Brigava com a esposa, faltava o trabalho, enfrentava qualquer sacrifício para ir ao estádio ver o time do coração jogar. Cumpria essa rotina desde os tempos de moleque e até hoje com 36 anos, casado, com dois filhos (os quais obrigou a seguir seu gosto e sempre que podiam o acompanhavam) seguia fielmente essa rotina.

Desde pequeno, Paulo gostava de ficar em um determinado cantinho dentro do estádio e foi lá que conheceu o Alberto, torcedor tão fanático quanto ele e que sempre estava no mesmo canto em todos os jogos. Depois de um determinado período os dois se conheceram e criaram uma amizade que durava sempre que estavam no campo.

Juntos compartilharam alegrias indescritíveis como no título nacional da segunda divisão do seu clube em 1991, choraram as mais profundas tristezas sentados em um botequim sujo de cadeiras enferrujadas quando viram seu tão amado clube cair para a terceira divisão em 1998. Com o passar do tempo foram ficando grandes amigos, todos os problemas que porventura os cercassem se dispunham a conversar e beber tentando achar a solução. Foi assim quando Paulo se divorciou ou quando Alberto foi demitido do emprego. Foi assim também quando o primeiro filho do Paulo nasceu e beberam ate o sol raiar para comemorar.

Só que apesar dessa amizade tão forte eles nunca perguntaram o sobrenome um do outro, nunca marcaram de sentar para almoçar e conhecer os filhos do amigo ou conversaram fora dos arredores onde o estádio ficava. Nas raras vezes que se encontraram por coincidência no meio da rua, apenas se cumprimentavam com um discreto sorriso e nada mais. Por mais que não falassem, achavam que o dia em que mudassem isso a amizade entre os dois acabaria.

Eis que um dia em um jogo de vida ou morte onde o Nacional enfrentaria o todo poderoso São João, ao chegar ao estádio e percorrer o caminho até o canto que costumava ficar, Paulo percebeu que o Alberto não estava lá. Perguntou para os demais amigos, o Aurélio, o Buarque e até mesmo o Baú não sabiam do paradeiro do Alberto. Depois do jogo, com a vitória do Nacional por 2 a 1 com um gol impedido aos 49 do segundo tempo do centroavante Dente Podre, o barzinho “estava sem graça” pensava Paulo, pois seu amigo não estava lá para comemorar junto com a turma.

No dia seguinte, Paulo não conseguia encontrá-lo. Tentou em vão, pois não tinha seu telefone, não sabia o nome completo, endereço e muito menos onde trabalhava. Foi quando outro amigo chegou ao almoço e falou que tinha conversado com a prima do cunhado do Alberto e ela tinha dito que o mesmo havia sofrido um acidente no dia anterior ao jogo contra o São João, tinha passado pelo hospital, mas infelizmente não aguentou.

Paulo ficou completamente perturbado, se informou onde seria o enterro, combinou com alguns outros amigos de campo e para lá se dirigiram. Lá chegando deram pêsames aos poucos presentes que ali estavam - na maioria membros da família - enrolaram o caixão com a bandeira do Nacional Futebol Clube e se despediram do amigo que partia. Paulo ao contrário de todos ficou ainda um bom tempo perto do túmulo, se despedindo, contando histórias da vida, pedindo conselhos e informando da situação do time no campeonato depois da vitória.

Os membros da família foram embora sem entender porque aquele desconhecido chorava tanto. Além de nunca o terem visto, o Alberto sempre fora muito recluso, não era lá de ter grandes amizades e saíram achando que na verdade era algum louco que estava por ali.

Ate hoje, passados alguns anos, Paulo continua indo ao estádio, ficando no mesmo cantinho rotineiro e sempre no dia posterior ao jogo vai ao cemitério onde Alberto está enterrado para lhe contar os resultados, como anda o time e também a vida. E assim seguirá até o dia em que não conseguir mais caminhar.

P.S: Crônica inspirada pelos amigos em dia de jogo no estádio da Curuzu.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Rock No Tucupi

Obs: Em 30.11.2004 saiu essa matéria no Scream & Yell do chapa Marcelo Costa sobre o rock paraense. Hoje me pergunto porque as coisas não andaram como deveriam. Mas, nem tudo está perdido. Ainda há esperança. :)

Local: Belém. Estado: Pará. Cenário: Sertanejo, Brega e Axé invadem as paradas no decorrer dos anos 90 e inicio de 2000. Resultado: Poucos lugares tocando rock, poucas bandas sobrevivendo. Provável final: O rock nunca mais teria vez na cidade, que seria obrigada a sucumbir perante modismos intermináveis e bandas tocando covers. Tudo levaria a crer que seria esse o final da história, mas pelo bem da terra do carimbó, do tucupi, do tacacá, do Clube do Remo e do Paysandu, alguns jovens talentosos, aliados a antigos veteranos da cena underground e a uma emissora de rádio resolveram mudar o curso do destino.

Com o avanço da Internet e dos veículos de informação, aliada as novas tecnologias e muita, mas muita inspiração, o que no final dos anos 90 surgia como um túnel escuro acabou se enchendo de luzes, acordes, poesias e atitude para moldar um cenário forte e muito competente.

A cidade já tinha um histórico de rock. Lá pelos idos do final dos anos 70, fez barulho por aqui a primeira banda de hard rock puro do Brasil, o Stress. No decorrer dos anos 80, com a explosão do rock brasil, Belém mostrou suas armas através de bandas como Mosaico de Ravena, Álibi de Orfeu, Solano Star, Delinqüentes, entre outras. Até Edgard Scandurra, do Ira!, deu seu aval para tudo isso. Mas, infelizmente, amargados pelo processo de banalização da nossa cultura iniciado pelo governo Collor, só o heavy metal sobreviveu, escondido nos guetos no decorrer dos anos.

Isso até agora. Com a Rádio Cultura FM apoiando, promovendo shows, colocando as músicas para tocar em sua programação e realizando premiações, vários artistas saíram do gueto e mostraram suas caras e guitarras para o público, que abraçou a idéia e não obstante hoje vemos muitos jovens da cidade dizendo que suas bandas preferidas são as locais.

Dentro desse cenário podemos citar algumas bandas, como o Suzana Flag, que retirou seu nome de um pseudônimo que Nelson Rodrigues utilizava, apostando em um pop inteligente, com letras comportamentais acima da média, e um instrumental que passeia em influências que vão de Mutantes, passando por The Cardigans, Pixies e até mesmo Sonic Youth. Pelas mãos do guitarrista Joel Melo, tendo o baixista Elder Fernandes e a vocalista Suzanne Melo duelando nos vocais, o Suzana Flag provoca um bem estar danado para quem está ouvindo.

Outro nome de destaque é o Eletrola, concebido na cabeça de Eliezer, Natanael Andrade e Camilo Henrique, com influências que passam por Weezer, Foo Fighters, Nirvana, além das bandas dos anos 60, resultando em um rock'n'roll dançante, com um quê de melancolia nas letras, transbordando energia power pop.

Na mesma cena ainda há espaço para o som do Stereoscope, que faz uma música inspirada no bom e velho rock inglês de Blur, The Beatles e The Who, passando ainda por Coldplay e Los Hermanos. Com Jack Nilson (guitarra e voz), Ullyses Moreira (bateria), Marcelo Nazareth (na outra guitarra e voz) e Ricardo Maradei (no baixo), o Stereoscope constrói um rock que só é feliz completamente quando chove, o que para uma cidade como Belém, em que chove quase que diariamente, é mais do que especial.

Ainda na briga, por mais que seja um pouco mais velha, vem A Euterpia, com suas antifórmulas. Sem sombra de dúvida, a banda mais cool da cena, misturando pop, rock, funk, mpb, flamenco com muito experimentalismo e muita inquietação musical. A Euterpia faz um som único, singular, destacando poesias subliminares e a uma preocupação com a parte cênica do espetáculo. Formada por Antônio Novaes no violão e voz, Márcio "Pato" Melo no baixo, Marisa Brito, soberba nos vocais, Carlos Canhão na bateria, Tom Salazarcano na guitarra e Washigton Csak no saxofone e flauta, A Euterpia demonstra todos os prováveis limites da palavra criatividade.

Dentro disso tudo ainda há espaço para o reggae, que conquistou as rádios e a cidade através das bandas Sevilha e Kaymakan, e para o rock pesado e visceral do Madame Saatan, que tem na figura da vocalista Sammliz seu principal destaque. E os sobreviventes continuam na briga, como Giovani Villacorta e seu Normam Bates, que tem uma moral muito grande perante a cena, calcados na figura do guitarrista e jornalista Nicolau Amador. O Cravo Carbono é outro nome de respeito. E o mais velho de todos, o sobrevivente-mor, os Delinqüentes, com Jaime Catarro nos vocais e seus asseclas batalhando com seu punk rock e atitude desde os primeiros idos dessa história.

E ainda há muito mais dessa cena rolando nos quatro cantos da cidade. Bandas fazendo apresentações fantásticas, público envolvido e, principalmente, muita qualidade e competência. Está na hora das gravadoras e do público do sul, sudeste e centro-oeste abrirem um pouco os olhos para o norte do país. Quem quiser conferir basta entrar no site www.tramavirtual.com.br, baixar e tirar suas próprias conclusões.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Preto e Branco

Dizer o que acontece. Eis um grande problema, pois não aconteceu nada. Simplesmente viver às vezes perde o sentido por alguns dias, algumas horas, alguns segundos. Tudo fica chato e sem graça, o tesão some completamente da vista. Só uma cama e o mergulho constante na TV, que como se fosse um analgésico ruim, acalma a dor inexistente, para depois incitá-la ainda mais forte.
Nesse ponto é que se olha para trás, o que nunca é bom e nada acrescenta na verdade, mas mesmo assim olhamos. E o que ficou para trás? Ah...ficou tanta coisa. Ficaram sonhos de conquistar o mundo inteiro. Ficaram as maiores paixões, hoje com imagens nubladas que não consegue nem distinguir se realmente viveu aquilo. Ficaram amigos, família. Ficaram sentimentos caídos ao léu.
E quanto mais tempo passa, menos as lembranças fazem sentido. A maioria delas parece que simplesmente foram inventadas, pois o eu de agora, duvida do eu que poderia ter feito isso. Como ele existiu? Como pôde? E as pessoas que existiam com ele, não podem ser as mesmas de hoje em dia. Os discos ainda são os mesmos, os filmes sempre são revistos, só as roupas mudaram de tom.
E enquanto esse nada acontece, o telefone toca, urge, grita e vangloria mensagens para mais dias vazios. O trabalho foge do prazer e vira uma obrigação e os prazeres, estes coitados, sinceramente também já não fazem sentido. O mundo gira para todo lado, a conta fica no vermelho, mais um cabelo fica branco, outro esforço de alegria some sem dizer nada. Pouco alarde para quase nada.
É nessa toada que Rui levanta em mais uma quinta-feira às seis da manhã, para entrar devagarzinho na vida que antes pulava de cabeça sem medo algum. Ele sabe que isso é passageiro, que daqui a pouco as coisas entram no rumo de novo, porém a cada nova queda dessa um pedaço maior fica para trás e ele teme que daqui a pouco os pedaços restantes já não sejam suficientes para andar em paz.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Um brinde as exceções!!

- Mas sabe o que me deixa realmente perturbado meu compadre? São quando elas botam esses vestidinhos leves, que ficam insistindo em voar e não mostrar nada. Só ficam atiçando nós, pobres homens enquanto bebemos o chope nosso de cada sábado. É isso que me perturba.
- Realmente compadre, isso perturba mesmo. Ainda mais quando elas aparecem assim sem muita pintura na cara. Mulher tem que se ligar que quanto mais simples, mais bonita fica.
- Isso, isso mesmo. Sempre falo isso para a Martinha. Mas não tem jeito, ela insiste em botar aqueles saltos altos e se pintar toda. Te confesso que tenho até saudade quando éramos mais novos e ela só saia comigo pela cidade de vestido e All Star no pé.
- Mulher tem dessa. Vai ficando velha e cai nessa de se aprontar toda. Além é claro da cisma de perder quilos toda hora.
- É vero.
- Pô, a Cláudia deve pesar o quê? Uns 53, 54 quilos?
- Acho que por aí.
- Pois é, aí vive me enchendo a porra do saco para emagrecer e tal. Eu quando tô de bom humor ainda digo: “Meu anjo, você tá linda, não precisa perder nada”. Mas tem hora que não dá porra!!
- Eheheh...é foda mesmo.
- Ei! Olha lá, tá vendo?
- Aonde?
- Lá do outro lado da rua de vestidinho azul, toda branquinha, de óculos.
- Tô, tô, que belezura!
- Meu compadre, lhe confesso que foi em um vestido azul a primeira vez que vi a Cláudia. Paixão a primeira vista, sei lá. Olha que isso faz uns treze, quatorze anos, por aí. Eu tava saindo de uma sessão de um filme horrível de terror no meio de semana sem nada para fazer. E lá estava ela.
- Que coincidência velho. A primeira vez que vi a Martinha ela também estava de vestido azul. Estávamos em uma sala de cursinho, com todo mundo junto para uma aula qualquer e ela apareceu. Diretamente vinda do CB. Linda, sem maquiagem. Simples e bela. É claro que inventei mil desculpas para falar com ela.
- Boas lembranças.
- Pois é.
- Levanta teu chope ai! Um brinde as nossas belas esposas!
- E um brinde as mulheres de vestidos e sem maquiagem!
- De preferência azuis!
- Azuis! Os melhores!
Depois de virarem seus respectivos chopes, os dois velhos amigos e compadres, pedem mais um, só que quando viram para o lado eis que surge no bar uma morena estupenda, com uma bunda do tamanho de um estado, toda arrumada, com calça colada, sapato de salto alto, camisa de marca, bolsa chique e com o rosto coberto de maquiagem. Impossível ficar imune a sua visão.
- Putz!
- Caceta!
- Meu compadre...
- Hum...diga meu compadre.
- Aquela regra sobre mulheres e vestidos e tal, tem exceções né?
- Claro. Uma regra para ser uma regra de verdade tem que ter exceção. Isso é lógico.
- Concordo.
- Um brinde às exceções então!
- Às exceções!!
E assim a tarde vira noite...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Orkut é o C......"

“De tempos em tempos acontecem milagres sem que a gente peça ou perceba. Esteja pronto para recebê-los”. Assim definia a sorte na manhã de segunda no orkut. “Tá foda né? Até a porra dos sites agora tão querendo dar uma de mãe Dinah”, foi o que pensou Arnaldo assim que ligou o computador com uma ressaca daquelas por causa de uma cerveja a mais na domingueira. “Eu ainda paro de beber, ô se paro”, prometeu sem muito vigor.
Antes de realmente começar a trabalhar, Arnaldo sempre visitava alguns sites de noticias, esportes e outros como myspace e orkut. Trabalhava em casa o que já facilitava bem sua vida nesse sentido. Na segunda que como bom devoto do Garfield odiava com todas as forças, as coisas geralmente eram um pouquinho pior. E o orkut também não ajudava muito nesse dia. Além da mensagem ridícula de auto ajuda, ainda tinha uma mensagem embaixo com “Maria adicionou uma nova foto para o álbum Diversão”.
Ele já tinha cogitado algumas vezes detonar a ex-namorada das suas casas virtuais, mas sempre rejeitava para que ela não pensasse que ele era um mal educado. Afinal terminaram “na boa”, pessoas adultas que sabem muito bem o querem. Na verdade, o que ele queria era não perder o contato e saber com quem ela andava pelo menos. É foda. “Mas, agora que se passaram seis meses, daqui a pouco me recupero”, pensava Arnaldo enquanto tomava o primeiro dos 5 Red Bull que seriam consumidos no dia.
Não tinha jeito. É claro que ele ia lá bisbilhotar o álbum com as fotos novas. Três fotos. Nas três, várias pessoas em algum bar da moda na noite de Belém. Nos comentários várias pessoas que ele nunca tinha visto, com recados como “Adoooorooooo!”. “Caceta! Onde diabos a Maria foi arrumar amigos que falam ou escrevem “Adoooorooooo!”. Não acredito nisso!”. Ao invadir os amigos dos comentários, mais sustos ainda. Comunidades como “Babados de Belém” e “Eu aaaamooo meus amigos!” dominavam.
“Ótima segunda-feira!” resmungou enquanto começava a abrir os arquivos do trabalho meio sem vontade. O dia correu mais ou menos em ordem. Algumas merdas para serem resolvidas. Um som mais alegre no player. Almoço de leve. Mais Red Bull. Alguns amigos sem ter o que fazer puxando papo sem o mínimo conteúdo no msn (“Será que as pessoas não sabem o que quer dizer o status ausente ou ocupado?, Arnaldo sempre reclamava”). Tudo normal. Quando por volta as 18:00hs chega uma mensagem no msn: “Preciso falar contigo. Me liga por favor. Preciso mesmo"
Era a Maria. Nesse momento as esperanças sempre voltam e acredita-se em tudo. “O orkut tava certo, milagres acontecem mesmo, por mais que a gente peça muito. Será que eu estou pronto?”, pensou. Deixou passar umas duas horas para não dar bandeira, pegou o telefone, foi para um lugar tranqüilo e discou o número que sabia de cor, recor e salteado:
- Alô.
- Alô.
- Maria?
- Ela.
- É Arnaldo, você queria falar comigo? Desculpa é que estava com uns amigos e só deu para ligar agora.
- Oi Arnaldo. Quanto tempo né? Eu queria falar contigo mesmo, mas não sei por onde começar.
- Ah, diga lá, o que seria?
- Não sei. Bom, mas vou dizer apesar de não saber o que tu vais pensar.
- Diga.
- Bom, ontem a noite eu estava na balada com uns amigos e a banda tocou “A Long December” do Counting Crows que a gente sempre escutava. Aí foi inevitável lembrar de você. E hoje eu pensei, pensei, pensei e resolvi ir atrás de ti para falar uma coisa.
- Pode falar. Desembucha menina.
- Tú poderias me devolver o cd que ficou contigo e tem essa música?
“Orkut é o caralho!”, pensava Arnaldo enquanto deletava seu contato na rede e procurava o disco do Counting Crows para deixar na portaria. “Orkut é o caralho!”, esbravejou até dormir.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Segundas Chances

A noite já caia há algumas horas, na verdade a madrugada já se aproximava e viam-se cada vez menos pessoas andando pela rua. O movimento rareava a partir do avançado da hora, pensei calmamente. Mas nem sempre foi assim, lembro de dias que ficarão para sempre guardados na memória em que bons amigos (nessa época, ainda eram bons) saiam pela cidade de cinema em cinema, de bar em bar, de praça em praça. Hoje o medo já não permite tal ousadia.
Peguei o ônibus depois de estar no ponto há quase uma hora. Nos últimos dias tinha uma súbita sensação de descontentamento tomando meu corpo, tudo parecia como um filme sem graça que pegamos em um canal de tv aberta zapeando sem sono pela madrugada. Com o celular devidamente escondido, liguei o mp3 player já que a viagem seria longa. A primeira música que tocou foi “Ain't No Cure For Love” do Leonard Cohen. Destino? Acho que não. Mas esse cara sabe das coisas.
Enquanto o ônibus entrava entre ruas mal iluminadas e passava por casais se agarrando na frente do cemitério e pequenas novas sensações da noite, com carros e seus sons ligados em alto volume tocando alguma canção sem muita qualidade, minha cabeça voava pelos acontecimentos dos últimos meses, de como minha inesgotável capacidade de ser covarde tinha acabado com uma das poucas coisas que ainda me fazia bem na vida. Susana desapareça fazia meses e meu orgulho impedia de procurá-la.
Na verdade, acho que foi isso que acabei me tornando no decorrer da minha caminhada: um medroso profissional. Tá certo que alguns medos eu entendia como normais, até porque a cidade nunca esteve tão perigosa e os últimos três ou quatro assaltos, com um inclusive me abrindo uma enorme ferida na cabeça, não favorecia muito o cenário de otimismo. No entanto, outros medos foi a vida que proporcionou e eu sempre louco por desculpas que me justificasse, as agarrei como pude.
Enquanto Leonard Cohen seguia cantando no mp3 player e a cidade mostrava suas ruas que abarcavam sentimentos dispares como satisfação e melancolia, alegria e tristeza, o celular pula as canções e acusa a mensagem que leio em seguida: “Estou ouvindo o disco do Wilco que você gosta e lembrei de ti. Me liga. Já faz muito tempo. Bjos. Susana”. A surpresa se transformou em desconfiança. Seria uma segunda chance? Foi quando “Hey, That's No Way To Say Goodbye” invadiu os fones e decidi responder a mensagem, enquanto pensava que esse Cohen sabe mesmo das coisas.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Olhos

“Ah....são os olhos...” Sem dúvida, não hesito em nenhum momento em dizer que são os olhos. Eles são os responsáveis por deixar minha alma desnuda e discernir entre o mero belo e o belo que dura. São eles que me surpreendem a cada momento, por mais que ame bundas e tudo mais, mas são os olhos que mexem de verdade; é neles que consigo tentar acreditar no que pode acontecer, ao que me vou me submeter.
Foi assim com Maura. Na verdade e falando bem sério nunca pensei em me apaixonar por alguém de nome Maura, um nome tão sério, tão distante de mim. Quando pensava em alguém quando era jovem, logo me via na cabeça nomes descolados, mas nada como Maura. E então o que acontece? Um belo dia desço a Conselheiro Furtado para para ver um livro, quando uma moça não tão bela, não tão feia, me faz a ridícula pergunta; “Que horas são”?”.
“Horas, que horas?” E não parei de olhá-la; olhos fortes, castanhos, pesados, que pareciam carregar toda a responsabilidade do mundo em suas costas, quando ela me disse depois de três segundos ou quatro minutos: “Aconteceu alguma coisa?” E eu no meu absurdo inconsciente nerd, respondi besteiras gaguejando entre comparações com Nico e Marisa Monte, quando me dei conta de um sorriso esplendoroso do outro lado. “Ah, são os olhos...mas depois um sorriso...”
E como tudo que acontece uma vez na vida, a fábula passava na frente, o conto de fadas que você nunca acreditou que existia lhe rouba a própria existência. As dívidas, problemas, a crise do time no campeonato, o disco ruim da sua banda, a promoção que nunca vem, parecem que não existem mais, o mundo mudou e você acabou de inventar uma nova realidade, que passa, começa e continua através do puro soluçar de dois olhos em um dia comum.
Penso até com uma certa loucura da minha hoje parca mente, que triste são aqueles que se contentam com as bundas, peitos e reboladas. Eles não sabem ao certo como sua alegria é fugaz, efêmera. Não sabem que com o tempo, essas bundas e peitos caem e o rebolado passa a ser sem graça, mas os olhos, ah...os olhos, esses são eternos. E enquanto estou aqui com lágrimas escorrendo, procuro dentro desse caixão sem graça os olhos da minha Maura e não consigo mais enxergar seu brilho, e percebo que minha alma se foi no exato momento que eles não abrirão mais.

sábado, 18 de abril de 2009

Jogos Sem Vencedor

E tudo poderia ser tão mais fácil
Se os jogos, os ódios, o ópio fossem cancelados
Sem as mil facetas, e algumas agradaveis surpresas

Tudo poderia realmente acontecer
Fantasmas do passado jogados ao lado
Crença em um futuro que não sabemos ao certo

E por tudo seria bom novamente passar
Os momentos em que os dias teriam luz
As vezes que pequenas coisas salvariam a vida

Mas, para você infelizmente não pode ser assim
Tudo se resume a um eterna partida sem vencedor
E assim o futuro passa a estar cada vez mais distante


Triste assim.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Povoando Desertos

E afastou-se
Sem mais nem porquê, sem perguntas ou respostas
Simplesmente afastou-se
Se escondeu
Sem dar chance para o acaso, flertando com o fracasso

E viveu
Como poucos poderiam imaginar, como uma ilusão
Inconscientemente viveu
Se martirizando
Mas seguindo em frente, adequando-se a corrente

E escreveu
Livros que ninguém quis, livros sem pretensões
Solenemente escreveu
Se enfrentando
Derrotando monstros febris, matando criaturas vis

E um belo dia morreu
Sem que o mundo soubesse, sem ninguém sentir
Aparentemente morreu
Se eternizando
Entrando nos corações abertos, povoando desertos

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

"Preceitos básicos e avisos adicionais a jovens escroques" - Jim Dodge

Não tente roubar uma vaca maior que sua caçamba.
Não mostre seu rabo pra Polícia Rodoviária.
Negociatas longas com grana curta é prejuízo na certa.
Não confunda o Evangelho com a Igreja.
Nunca dedure familiares ou amigos.
Evite morar em qualquer lugar onde não dê pra mijar da porta da frente.
Só porque é simples não significa que é fácil.
Não deixe seu olho grande preencher cheques que sua barriga vazia não possa bancar.
Se você não a quer, não a provoque.
Não estacione entre dois cachorrões jogando sujo.
Qualquer um amassa tomates; o foda é fazer o molho.
Nunca se é pobre demais para deixar de prestar atenção.
Não remoa por aí suas paranóias.
Nunca durma com uma mulher que considere isso um favor.
Se for atingido por um valentão, dê-lhe a outra face. Se rolar de novo, atire no filho da puta.
Manter é sempre duas vezes mais difícil do que conseguir.
Nunca atravesse uma cidade pequena a 120 por hora com a filhota do xerife nua na garupa.
Nunca registre o preto no branco.
Se você não está confuso então não tá entendendo nada.
Amar é sempre mais difícil do que parece.
P.S:
O escritor americano Jim Dodge é muito, mas muito foda. :)

sábado, 19 de julho de 2008

A Sociedade dos Robôs Sem Nome

Noite fria. Coisa rara. Dentro do ônibus dá para ver a cidade enquanto ela pensa em dormir, afinal de contas é segunda feira, são mais de onze horas da noite, ela já deve estar para dormir. Mesmo que se saiba que não de maneira completa, pois em uma cidade como essa, há pessoas para toda a sorte, para todo sofrimento, como também para todo tipo de alívio, seja este substancial, ilegal ou profissional.
Enquanto desce na parada em que ainda deverá seguir mais umas três quadras de ruas sujas e empoeiradas, a cabeça voa enquanto passa na frente da casa de Margareth, a doce e cruel Margareth que tanto lhe deu carinho mas lhe abandonou por um carinha velho e gordo para poder morar na Zona Sul. Ela lhe disse: “Vou ter vida de rica, de madame, nada desta merda aqui. To subindo de vida e isso importa mais do que tudo.”
Mesmo sem ter estudado muito ele não entendia a parte do “desta merda” já que tanto ela lhe falava quando estavam juntos e também não entendia como ir embora com um cara velho e gordo era subir na vida. Vai ver as mulheres não prestam mesmo, pensava ele, enquanto abria o primeiro dos seis cadeados que guardavam sua casa de quarto e sala, sem tratamento de água e esgoto e com a rua da frente sem asfalto, só com a poeira subindo.
Antes de se jogar na cama depois de mais um dia, ainda parou para ler uma revista dos X-Men, a única que acompanhava, apesar de ter desejo de comprar muitas mais. Os gostos de infância precisavam ser deixados de lado pela sobrevivência. Enquanto dormia, Margareth passou pelo seus sonhos, lhe causando ainda uma ereção depois de tanto tempo e depois o sono foi pesado, sem direito a mais nada.
O despertador toca. Cinco e meia da manhã. Hora de levantar e tomar rumo para o trabalho. Enquanto atravessa a cidade no primeiro dos dois ônibus que precisa pegar, o celular, comprado a muito custo em 12 vezes, toca uma música antiga, de uma banda antiga que ele gosta muito. A música é “Faroeste Caboclo” do Legião Urbana e causa uma pequena viagem na sua cabeça, enquanto ele sonha com outra vida, outro trabalho, outra força.
Dia chuvoso. Coisa normal. Durante a corrida do dia a dia para carregar as malas dos hóspedes do hotel de luxo em que trabalha na orla da cidade, ele nada mais pensa, apenas funciona como uma máquina, um pequeno robô sem nome, sem identidade a correr atrás de migalhas vestidas de gorjetas, que tem prazo de validade e normas para seguir. Ao seguir sua vida, ele passa por tantos iguais, que como ele, funcionam para guiar uma máquina maior chamada sociedade, sem que eles percebam ou mesmo reclamem. Afinal, para o mundo eles apenas funcionam.

domingo, 29 de junho de 2008

All Star

Descubra um lugar, uma nova forma de viver, um outro além
Saque as armas e corra atrás
Apenas me diga, porque não?
Faça as malas, arrume os sapatos, arranje uma parceira
Bote tudo para fora do lugar
Afinal de contas, de que vale tanta organização?
Jogue fora os livros, absorva os pecados, insista no errado
Vire as costas para quem nunca te viu
Para que andar sem ter vontade de chegar?
Empenhe os relógios, empreste um dinheiro, pinte o cabelo
Venda a sua coleção dos Beatles
Para que músicas quando não podemos ouvi-las?
Encare a vida, feche as feridas, compre um all star
Ande feito um psicótico pelas ruas
De que vale a sanidade em um mundo de loucos?
Invente velhas regras, assuste os amigos, tente se permitir
Mergulhe de cabeça para algum novo lugar
Apenas me diga, porque não?

domingo, 18 de maio de 2008

Eu Não Sou O Amor

Quando era criança me disseram para ler muito.
Que fazia bem.
Então eu li.
E quem eu li me contava que era para acreditar no amor.
E acreditei.
Fielmente acreditei durante alguns pares de anos.
Mas parei.
Sem mais nem porquê diria você.
Mas você não sou eu.
Eu não sou você.
E principalmente eu não sou o amor.
Amor que já não acredito.
E já não me preocupo com isso.
Deixa ser.

domingo, 20 de abril de 2008

Letícia

Chegará para mudar tua vida
Sem pedir passagem
Sem mudar a roupagem
E fará o ciclo recomeçar
Tudo será novo
Ainda que não seja mais
Virá como um sonho realizado
Embrulhada em papel dourado
Assim será

Será um divisor na tua história
Com doçura no olhar
Com coragem para lutar
E indicará um outro caminho
Nada será como antes
Ainda que tudo seja igual
Iluminará ao ficar aprendendo
Ensinando ao estar crescendo
Assim fará

Fará do mundo um brilho a mais
Um lugar mais belo
Um lugar menos infesto
E apresentará novas virtudes
Viver será outra alegria
Ainda que tudo continue normal
Andará espalhando cor
Recebendo e passando amor
Assim chamará: Letícia

Obs: Poeminha feito para a filha de dois grandes amigos, Glayne e Allyson. Cada dia que passa a Letícia fica mais linda. :)

terça-feira, 18 de março de 2008

Mantra

“Calma. Isso vai passar. Você sabe que vai, sempre passa.” Da mesa ao fundo bar dava para ver a noite caindo sem pressa, sem a menor preocupação. Dava para ver os carros começando a se engarrafar uns quarteirões à frente na fatídica hora do rush. Dava para ver o rosto refletido no espelho ao lado, um rosto combalido apesar dos vinte e poucos anos. E enquanto Camila passava a mão na sua mão e trocava palavras de esperança, Cláudio já não acreditava em nenhuma delas.
Havia sido assim nos últimos seis ou sete anos mais ou menos, desde que os dois amigos de infância saíram da pequena cidade do interior em busca da sorte e de uma boa universidade na capital do estado. Aquele pequeno bar perto de onde moravam (hoje, já não mais juntos, mas ainda assim próximos), serviu de palco para inúmeros porres, desesperos e comemorações além de homéricas sessões de terapia. Quase que sempre de Camila para Cláudio.
Cláudio era o típico cara que onde passava fazia amizades, as pessoas realmente gostavam de estar com ele, mas ele nem sempre gostava de estar com as pessoas, apesar de amá-las quase que incondicionalmente, preferia por muitas vezes ficar só. Por isso escolheu fazer Letras e Publicidade. Queria ser escritor. Sentia prazer em ser outra pessoa apenas ficando sozinho. E hoje trabalhando na redação de um jornal e escrevendo sobre cinema para uma pequena revista encaminhava bem seus sonhos.
Mas Cláudio sempre teve um sério problema. Sempre escolheu a pessoa errada para se apaixonar. E como ele se apaixonava. Em qualquer esquina, em um show chinfrim, na sala de aula. E quase sempre o relacionamento que ele sonhava, terminava. E lá ia chorar suas tristezas no ombro de Camila, sua fiel amiga e confidente ao qual já amparara algumas vezes também, apesar de nos últimos anos isso ser mais raro, pois ela estava noiva de um grande amigo seu.
Camila sempre lhe dizia que ele era uma mistura de Dom Quixote e Don Juan, um Don Juan às avessas, que conquistava demais, mas sofria muito por suas percas. Hoje enquanto Camila passa a mão dela no seu cabelo dizendo que tudo vai passar, que mais uma desilusão amorosa vai embora, Cláudio lembra dessa comparação e começa a rir, dizendo que talvez seja isso, talvez tenha nascido na época errada, na época em que o amor é tão subjugado e cheio de regras ao mesmo tempo em que tudo soa tão livre.
Depois de umas duas horas, pagam a conta e vão caminhando para a rua em que habitam em dois prédios bacanas de classe média e que bancam hoje já sem a ajuda dos pais. Camila fala para ele ligar se precisar de mais alguma coisa e repete que tudo vai passar, sempre passa. Cláudio dá um abraço longo finalizado com um beijo na testa e agradece, dizendo que ele não seria nada sem ela. Ela se vira e enquanto caminha, Cláudio entra no seu prédio sem antes virar mais umas três vezes, para desistir em um lamento.
Vai passar, sempre passa, repete como um mantra enquanto entra no quarto, liga o som e bota um disco do Lou Reed para tocar.