
Se encontraram no ambiente de música ao vivo da danceteria, onde o Solano Quartet esbanjava um jazz e mpb de alto nível. Determinado hora, os olhos se entrelaçaram de forma suspeita e indicativa, ele fazendo pose em um canto do balcão e ela com um cruzar de pernas fascinante do outro lado.
Ele pediu outra dose de uísque, mandou o barman que jogasse fora a antiga, visto que estava só água e partiu ao encontro dela, puxando a mais barata das cantadas conhecidas:
-Boa noite, estava lá do outro lado e não pude deixar de notar sua beleza, vens sempre aqui?
-Não, hoje é a primeira vez.
-Agradável esse ambiente, não?
-Para falar a verdade, não estou gostando muito.
-Mas a música está boa, há de convir...
-Eu nunca gostei muito de Miles Davis, ela diz.
-Olha, você pode até não acreditar, mas acho que te conheço de algum lugar (sim, ele soltou essa pérola)...
-Só se for do supermercado.-
Porquê? Não costumas sair de casa com freqüência?
-Só para o trabalho.
-Desculpe minha modesta intromissão, mas trabalhas com o quê?-
Sou editora.
-Que interessante, gosto muito do Milan Kundera, acho aquele livro dele "A Brincadeira", muito intenso, concordas?
-Prefiro "A Imortalidade".
-E de literatura beatnik, gostas?
-Odeio! Acho os autores um monte de rebeldes sem causa.
-Mas as palavras deles marcaram uma geração..., insiste ele.
-Odeio Beatles, beatniks e principalmente bitolados, detona ela.
-Você deve gostar dos Stones, então?
-Não, Frank Sinatra.
Ele para, "Ela parece ser inteligente", pensa. Na verdade não conhecia nada de jazz e muito menos de literatura, sabia o nome de alguns autores e livros que usava como charme barato para impressionar as mulheres mais distraídas, não tinha a mínima idéia do que era um beatnik e muito menos sabia quem era esse tal de Milan Kundera, sobre quem tinha lido alguma coisa na Bravo! do mês passado.
E apesar de não estar dando uma dentro, ele era brasileiro e não desistia nunca, partia de novo ao ataque aproveitando a deixa de uma música do Caetano, esse sim ele conhecia, tinha todos seus discos, livros, colecionava autógrafos e tudo mais.
-Essa música é maravilhosa....
-Eu não acho, retruca ela.
-Você não gosta de Caetano? Não acredito?
-Tenho é raiva, acho ele forçado e gay.
"Agora parou", pensa ele. "Dar uma de difícil, me esnobar, não gostar de Beatles, tudo bem, agora chamar o Caetano de bicha não dá, pô!".
-Pois bem, acho que está chegando minha hora, já vou embora.
"Agora parou", pensa ele. "Dar uma de difícil, me esnobar, não gostar de Beatles, tudo bem, agora chamar o Caetano de bicha não dá, pô!".
-Pois bem, acho que está chegando minha hora, já vou embora.
-Porquê?
-Porquê? Droga, você fica me encarando, cruzando as pernas direto na minha direção, quando eu chego para falar contigo, discordas de mim a toda hora, fica me enrolando e ainda por cima chama o Caetano de gay e ainda queres saber o porquê? Tenha paciência, tchau! Vou Dormir!
-No meu apartamento ou no seu?
E de noite naquele quarto em uma tórrida noite de amor, ao fundo toca "Dom de Iludir" do Caetano, fazendo ecoar pelo ar as frases:
"Não me venha falar da malícia de toda mulher...como pode querer que a mulher vá viver sem mentir...."
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