segunda-feira, 18 de julho de 2005

Bob´s Crônica


“Faço minhas as tuas palavras” disse Bob no entardecer em um barzinho para um amigo, sentado a olhar o horizonte que se propagava, “Não quero saber de mulher nunca mais nessa vida, escolho a solidão”. E assim ia levando a vida, do jeito que achava que suportava, ficava em casa, só saia quando percebia que realmente valia a pena, parou de freqüentar o Bar do Madureira e o Pina de Copacabana, seus habituais lugares onde passara boa parte de sua vida.
Seus amigos lhe instigavam a sair, “Vamos para uma festa Bob?, hoje vai ser bacana” e ele sempre inventava uma desculpa para a sua ausência. Insistiam com ele, “Cara, vamos nessa, lembra da Selminha? pois é, ela ta cada vez mais linda e continua a fim de ti...”, mas nada dele sair, ficava em casa lendo uns livros, vendo uns filmes antigos, fazendo o tempo passar de alguma forma que lhe tirasse o peso do mundo dos ombros.
Apesar de nunca ter confessado diretamente a ninguém, Bob mudara tanto pois a mulher que escolhera para ser o amor de sua vida, que imaginou ser sua companheira na velhice, não estava mais do seu lado. Depois de sucessivas brigas e discussões, de juras falsas de amor jogados no vento, de amargas noites de conversas, de inúmeros pulsos telefônicos gastos aliados a desculpas vãs, tudo acabara sem um motivo convincente para ambos. E apesar de saber que ainda existia algo de bom em relação aos dois, Bob preferiu enterrar o assunto de vez, optando em dar um tempo de ver as mesmas caras, sair para os mesmos lugares, beijar as mesmas bocas, apenas se contentava em escutar um disco antigo de uma banda de tempos atrás e principalmente uma canção “Metal Contra As Nuvens” em particular.
Todos sabiam do verdadeiro motivo, mas para eles Bob sempre dizia que a culpa era do trabalho, que já não saia tanto porque se achava meio velho para determinadas farras, que era isso e aquilo...e assim seguia tentando enganar inultimente a todos com seu teatro barato, mas principalmente enganando a si mesmo. Até que seus amigos pararam de lhe convidar para sair e foram se acostumando com as novas características de seu velho amigo.
Só que para sorte de Bob, Deus benévolo com ele foi e em como um filme romântico açucarado, de uma hora para outra conheceu Sara Lee. Namoraram um pequeno tempo e depois se casaram para o famigerado mas não menos atraente “para sempre”. Constituíram família e se apaixonaram de maneira tão forte e vibrante, que até mesmo desconfiavam às vezes dos seus sentimentos, do que passava em suas cabeças.
Hoje, passados longos e longos anos, Bob senta na varanda de sua casa, tomando uma cerveja gelada aos domingos e conta aos seus cinco filhos as belezas do amor, de como ele nunca sofrera por isso, de como nunca ficara mal por ninguém, que a mãe deles foi a única mulher de sua vida. Enquanto lá de dentro da sala, de um velho vinil meio arranhado, ecoam os versos de uma canção que todos param para cantar junto, dizendo assim:
“...E nossa história, não estará pelo avesso assim sem final feliz, teremos coisas bonitas pra contar e até lá vamos viver, temos muito ainda por fazer, não olho pra trás, apenas começamos, o mundo começa agora, apenas começamos...”

sexta-feira, 8 de julho de 2005

Velhos Amigos


E eis que dois grandes amigos se encontram novamente depois de alguns anos. Já não são mais os mesmos com certeza, estão em torno dos 35 anos, devem estar uns treze anos mais velhos, uns dez quilos mais gordos, com um pouco menos de cabelo, uns 50% mais estressados e por aí vai.
Se encontram em um supermercado, na seção de bebidas (onde mais poderia ser?), os dois disfarçando com uma bebida light na mão, mas na verdade desejando profundamente aquele Chivas Reagal de R$ 125,00 da prateleira, quando se vêem.
-João , é você , não acredito?
-Rômulo?-Sou eu mesmo cara, o velho Rômulo da universidade, quanto tempo...
-E aí rapaz, como estás?
-Vou bem, seguindo a vida na boa e você?
-Estamos aí, na paz...
-Como anda sua família? A Mariza continua bonita como de costume?
-Na verdade me separei faz três anos e quanto a minha ex-esposa, sinceramente não sei como está, pois faz tempo que não há vejo. E a propósito o nome dela é Maria e não Mariza.
-Ah é, desculpe! Maria, Mariza ,começa tudo com M e termina com A, eu sempre me confundi com nomes mesmo. Mas e aí, ainda trabalha pro governo?
-Não, não, aquela crise do México me botou pra fora, me disseram que a culpa foi do El Nino, não entendi bem a relação entre as duas coisas , mas tudo bem.
-É, mas deves estar feliz , afinal de contas o teu velho candidato se tornou presidente.
-Que candidato que nada, votei no Serra.
-Mas como? Você fazia parte da UNE, era um dos mais politizados do centro acadêmico, defendia as idéias socialistas com unhas e dentes e só andava de camisa do Che Guevara.
-É meu amigo, mas os sonhos morrem e além do mais se o Serra fosse eleito, tinha um primo meu que trabalhou na campanha dele e podia conseguir meu emprego de volta, fiz isso por mim, entende?
-Não, não entendo. Olha posso te falar uma coisa? Eu nunca esperava isso de você cara, logo quem queira mudar o mundo...
-É, mas meus heróis foram morrendo de overdose, meus inimigos estavam no poder, a grana ia faltando pra botar em casa e tive que mudar de lado, fazer o quê?. Mas e você Rômulo, como estás? Continua um solteirão convicto, sempre dizia que nunca se apaixonaria por ninguém, que iria morrer só no Caribe, cheio de mulheres do lado...
-Mais ou menos, tô meio enrolado, tive um filho, o Paulinho, tu precisas ver o moleque , ele é muito inteligente. Aí morei junto um tempo com a Heloísa, lembra dela? Aquela que no segundo ano subiu bêbada na mesa do professor de Matemática Financeira e tirou a roupa...
-Ô se lembro, como iria esquecer, tu quase teve um treco na hora..
-Pois é, só que vivíamos brigando, e ela gostava muito de mim sabe como é? Me enchia muito o saco e resolvemos dar um tempo, mas acho que a gente vai acabar voltando.
-Isso foi agora, esses dias ?
-Não, fazem 2 anos , 7 meses e 21 dias.
-Iiih...Parece que você ainda não a esqueceu velho amigo...
-Que nada cara, nem sinto a falta dela. Só me lembro dela assim repentinamente, como quando vejo essa lata de palmito, pô cara ela gostava muito de palmito, tu não tem noção, ou quando pego bacon, que ela sempre batia na minha mão e fazia eu devolver porque fazia mal, mas nada demais...
-Ah! sei.....
-Ou então quando passo na frente da casa dela todo dia, mas tudo tá normal, nada demais, imagina se logo eu ia ficar pra baixo por causa de uma besteira dessas.
-Tá bom, vou acreditar... E o trabalho? Continuas como administrador daquela empresa ?
-Que nada cara, me demitiram. Disseram que foi a recessão, essas coisas. Mas até que foi bom, pois com a grana que peguei de lá, montei meu próprio negocio, uma loja de Pet Shop.
-Pet Shop? Mas você nunca gostou de bicho algum, odiava quando ia lá pra casa e o Maradona começava a querer brincar contigo, lembra do meu cachorro, o Maradona? Que pena que ele morreu naquele meu aniversario que deram Tequila pro coitado beber...
-Pois é..., por isso que a gente só dava cerveja, conhecíamos o Maradona, eu falei pra não convidar aqueles argentinos do terceiro ano.
-Sim, mas continua. E o teu negócio ?
-Pet Shop tá dando um bom dinheiro, tem muita dondoca aí se preocupando com seus cachorros e gatos, isso tá virando moda, tens uns lá que comem bem melhor do que eu. Tô com três lojas espalhadas pela cidade e além do mais nunca acreditei muito naquela ladainha de Taylor e Fayol, essas historias de organização e métodos que me ensinaram na universidade...
-É podes crer...
E enquanto seguiam pelo supermercado, continuando a fazer suas compras, entre cada nova conserva e comida instantânea colocada no carrinho, os dois pensavam em como seu grande amigo tinha mudado tanto, de como a vida passara tão rápido, sem perceber que eles também haviam mudado muito.
-Pois é meu amigo! Foi bom lhe ver de verdade. Vamos tomar um chope por aí, botar o papo em dia, se lembrar de quando a vida era boa...
-Vamos sim, combinado! Me dá o número do teu telefone, que eu te ligo.
-Toma, mas liga mesmo, nós precisamos fazer uma onda de novo.
-Deixa comigo, a gente marca com umas meninas e passa o final de semana pelo litoral curtindo.
-Beleza, um abraço.
-Outro.
E assim se despediram e nunca ligaram um para o outro, vez ou outra se encontravam pelas veias do mundo e sempre botavam a culpa no trabalho, que o telefone estava desligado, e outras desculpas mais.
Mas a verdade é que João já não era mais o mesmo de dez anos atrás e não queira desapontar o velho amigo com sua nova vida, com a perda dos ideais que tanto defendera na juventude, preferia que ficasse na cabeça de todos a imagem do João, o rebelde, o contestador. E Rômulo optou em deixar seu velho amigo também com a imagem dos tempos da universidade, do Don Juan Rômulo, que pegava todas as meninas e as deixava morta de amores por ele. Não queria que João soubesse que vivia atrás da Heloísa, que se humilhava por ela, que tinha se tornado um eterno apaixonado, e que já não era mais nem a sombra de antigamente.
E assim jogavam a vida pra frente, deixando o passado como uma boa lembrança de um tempo que não volta mais.