quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Amigos de Campo


Paulo sempre foi torcedor fanático do Nacional Futebol Clube e acompanhava o time para onde quer que fosse. Dentro de casa então, não perdia um jogo. Brigava com a esposa, faltava o trabalho, enfrentava qualquer sacrifício para ir ao estádio ver o time do coração jogar. Cumpria essa rotina desde os tempos de moleque e até hoje com 36 anos, casado, com dois filhos (os quais obrigou a seguir seu gosto e sempre que podiam o acompanhavam) seguia fielmente essa rotina.

Desde pequeno, Paulo gostava de ficar em um determinado cantinho dentro do estádio e foi lá que conheceu o Alberto, torcedor tão fanático quanto ele e que sempre estava no mesmo canto em todos os jogos. Depois de um determinado período os dois se conheceram e criaram uma amizade que durava sempre que estavam no campo.

Juntos compartilharam alegrias indescritíveis como no título nacional da segunda divisão do seu clube em 1991, choraram as mais profundas tristezas sentados em um botequim sujo de cadeiras enferrujadas quando viram seu tão amado clube cair para a terceira divisão em 1998. Com o passar do tempo foram ficando grandes amigos, todos os problemas que porventura os cercassem se dispunham a conversar e beber tentando achar a solução. Foi assim quando Paulo se divorciou ou quando Alberto foi demitido do emprego. Foi assim também quando o primeiro filho do Paulo nasceu e beberam ate o sol raiar para comemorar.

Só que apesar dessa amizade tão forte eles nunca perguntaram o sobrenome um do outro, nunca marcaram de sentar para almoçar e conhecer os filhos do amigo ou conversaram fora dos arredores onde o estádio ficava. Nas raras vezes que se encontraram por coincidência no meio da rua, apenas se cumprimentavam com um discreto sorriso e nada mais. Por mais que não falassem, achavam que o dia em que mudassem isso a amizade entre os dois acabaria.

Eis que um dia em um jogo de vida ou morte onde o Nacional enfrentaria o todo poderoso São João, ao chegar ao estádio e percorrer o caminho até o canto que costumava ficar, Paulo percebeu que o Alberto não estava lá. Perguntou para os demais amigos, o Aurélio, o Buarque e até mesmo o Baú não sabiam do paradeiro do Alberto. Depois do jogo, com a vitória do Nacional por 2 a 1 com um gol impedido aos 49 do segundo tempo do centroavante Dente Podre, o barzinho “estava sem graça” pensava Paulo, pois seu amigo não estava lá para comemorar junto com a turma.

No dia seguinte, Paulo não conseguia encontrá-lo. Tentou em vão, pois não tinha seu telefone, não sabia o nome completo, endereço e muito menos onde trabalhava. Foi quando outro amigo chegou ao almoço e falou que tinha conversado com a prima do cunhado do Alberto e ela tinha dito que o mesmo havia sofrido um acidente no dia anterior ao jogo contra o São João, tinha passado pelo hospital, mas infelizmente não aguentou.

Paulo ficou completamente perturbado, se informou onde seria o enterro, combinou com alguns outros amigos de campo e para lá se dirigiram. Lá chegando deram pêsames aos poucos presentes que ali estavam - na maioria membros da família - enrolaram o caixão com a bandeira do Nacional Futebol Clube e se despediram do amigo que partia. Paulo ao contrário de todos ficou ainda um bom tempo perto do túmulo, se despedindo, contando histórias da vida, pedindo conselhos e informando da situação do time no campeonato depois da vitória.

Os membros da família foram embora sem entender porque aquele desconhecido chorava tanto. Além de nunca o terem visto, o Alberto sempre fora muito recluso, não era lá de ter grandes amizades e saíram achando que na verdade era algum louco que estava por ali.

Ate hoje, passados alguns anos, Paulo continua indo ao estádio, ficando no mesmo cantinho rotineiro e sempre no dia posterior ao jogo vai ao cemitério onde Alberto está enterrado para lhe contar os resultados, como anda o time e também a vida. E assim seguirá até o dia em que não conseguir mais caminhar.

P.S: Crônica inspirada pelos amigos em dia de jogo no estádio da Curuzu.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Rock No Tucupi

Obs: Em 30.11.2004 saiu essa matéria no Scream & Yell do chapa Marcelo Costa sobre o rock paraense. Hoje me pergunto porque as coisas não andaram como deveriam. Mas, nem tudo está perdido. Ainda há esperança. :)

Local: Belém. Estado: Pará. Cenário: Sertanejo, Brega e Axé invadem as paradas no decorrer dos anos 90 e inicio de 2000. Resultado: Poucos lugares tocando rock, poucas bandas sobrevivendo. Provável final: O rock nunca mais teria vez na cidade, que seria obrigada a sucumbir perante modismos intermináveis e bandas tocando covers. Tudo levaria a crer que seria esse o final da história, mas pelo bem da terra do carimbó, do tucupi, do tacacá, do Clube do Remo e do Paysandu, alguns jovens talentosos, aliados a antigos veteranos da cena underground e a uma emissora de rádio resolveram mudar o curso do destino.

Com o avanço da Internet e dos veículos de informação, aliada as novas tecnologias e muita, mas muita inspiração, o que no final dos anos 90 surgia como um túnel escuro acabou se enchendo de luzes, acordes, poesias e atitude para moldar um cenário forte e muito competente.

A cidade já tinha um histórico de rock. Lá pelos idos do final dos anos 70, fez barulho por aqui a primeira banda de hard rock puro do Brasil, o Stress. No decorrer dos anos 80, com a explosão do rock brasil, Belém mostrou suas armas através de bandas como Mosaico de Ravena, Álibi de Orfeu, Solano Star, Delinqüentes, entre outras. Até Edgard Scandurra, do Ira!, deu seu aval para tudo isso. Mas, infelizmente, amargados pelo processo de banalização da nossa cultura iniciado pelo governo Collor, só o heavy metal sobreviveu, escondido nos guetos no decorrer dos anos.

Isso até agora. Com a Rádio Cultura FM apoiando, promovendo shows, colocando as músicas para tocar em sua programação e realizando premiações, vários artistas saíram do gueto e mostraram suas caras e guitarras para o público, que abraçou a idéia e não obstante hoje vemos muitos jovens da cidade dizendo que suas bandas preferidas são as locais.

Dentro desse cenário podemos citar algumas bandas, como o Suzana Flag, que retirou seu nome de um pseudônimo que Nelson Rodrigues utilizava, apostando em um pop inteligente, com letras comportamentais acima da média, e um instrumental que passeia em influências que vão de Mutantes, passando por The Cardigans, Pixies e até mesmo Sonic Youth. Pelas mãos do guitarrista Joel Melo, tendo o baixista Elder Fernandes e a vocalista Suzanne Melo duelando nos vocais, o Suzana Flag provoca um bem estar danado para quem está ouvindo.

Outro nome de destaque é o Eletrola, concebido na cabeça de Eliezer, Natanael Andrade e Camilo Henrique, com influências que passam por Weezer, Foo Fighters, Nirvana, além das bandas dos anos 60, resultando em um rock'n'roll dançante, com um quê de melancolia nas letras, transbordando energia power pop.

Na mesma cena ainda há espaço para o som do Stereoscope, que faz uma música inspirada no bom e velho rock inglês de Blur, The Beatles e The Who, passando ainda por Coldplay e Los Hermanos. Com Jack Nilson (guitarra e voz), Ullyses Moreira (bateria), Marcelo Nazareth (na outra guitarra e voz) e Ricardo Maradei (no baixo), o Stereoscope constrói um rock que só é feliz completamente quando chove, o que para uma cidade como Belém, em que chove quase que diariamente, é mais do que especial.

Ainda na briga, por mais que seja um pouco mais velha, vem A Euterpia, com suas antifórmulas. Sem sombra de dúvida, a banda mais cool da cena, misturando pop, rock, funk, mpb, flamenco com muito experimentalismo e muita inquietação musical. A Euterpia faz um som único, singular, destacando poesias subliminares e a uma preocupação com a parte cênica do espetáculo. Formada por Antônio Novaes no violão e voz, Márcio "Pato" Melo no baixo, Marisa Brito, soberba nos vocais, Carlos Canhão na bateria, Tom Salazarcano na guitarra e Washigton Csak no saxofone e flauta, A Euterpia demonstra todos os prováveis limites da palavra criatividade.

Dentro disso tudo ainda há espaço para o reggae, que conquistou as rádios e a cidade através das bandas Sevilha e Kaymakan, e para o rock pesado e visceral do Madame Saatan, que tem na figura da vocalista Sammliz seu principal destaque. E os sobreviventes continuam na briga, como Giovani Villacorta e seu Normam Bates, que tem uma moral muito grande perante a cena, calcados na figura do guitarrista e jornalista Nicolau Amador. O Cravo Carbono é outro nome de respeito. E o mais velho de todos, o sobrevivente-mor, os Delinqüentes, com Jaime Catarro nos vocais e seus asseclas batalhando com seu punk rock e atitude desde os primeiros idos dessa história.

E ainda há muito mais dessa cena rolando nos quatro cantos da cidade. Bandas fazendo apresentações fantásticas, público envolvido e, principalmente, muita qualidade e competência. Está na hora das gravadoras e do público do sul, sudeste e centro-oeste abrirem um pouco os olhos para o norte do país. Quem quiser conferir basta entrar no site www.tramavirtual.com.br, baixar e tirar suas próprias conclusões.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Preto e Branco

Dizer o que acontece. Eis um grande problema, pois não aconteceu nada. Simplesmente viver às vezes perde o sentido por alguns dias, algumas horas, alguns segundos. Tudo fica chato e sem graça, o tesão some completamente da vista. Só uma cama e o mergulho constante na TV, que como se fosse um analgésico ruim, acalma a dor inexistente, para depois incitá-la ainda mais forte.
Nesse ponto é que se olha para trás, o que nunca é bom e nada acrescenta na verdade, mas mesmo assim olhamos. E o que ficou para trás? Ah...ficou tanta coisa. Ficaram sonhos de conquistar o mundo inteiro. Ficaram as maiores paixões, hoje com imagens nubladas que não consegue nem distinguir se realmente viveu aquilo. Ficaram amigos, família. Ficaram sentimentos caídos ao léu.
E quanto mais tempo passa, menos as lembranças fazem sentido. A maioria delas parece que simplesmente foram inventadas, pois o eu de agora, duvida do eu que poderia ter feito isso. Como ele existiu? Como pôde? E as pessoas que existiam com ele, não podem ser as mesmas de hoje em dia. Os discos ainda são os mesmos, os filmes sempre são revistos, só as roupas mudaram de tom.
E enquanto esse nada acontece, o telefone toca, urge, grita e vangloria mensagens para mais dias vazios. O trabalho foge do prazer e vira uma obrigação e os prazeres, estes coitados, sinceramente também já não fazem sentido. O mundo gira para todo lado, a conta fica no vermelho, mais um cabelo fica branco, outro esforço de alegria some sem dizer nada. Pouco alarde para quase nada.
É nessa toada que Rui levanta em mais uma quinta-feira às seis da manhã, para entrar devagarzinho na vida que antes pulava de cabeça sem medo algum. Ele sabe que isso é passageiro, que daqui a pouco as coisas entram no rumo de novo, porém a cada nova queda dessa um pedaço maior fica para trás e ele teme que daqui a pouco os pedaços restantes já não sejam suficientes para andar em paz.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Um brinde as exceções!!

- Mas sabe o que me deixa realmente perturbado meu compadre? São quando elas botam esses vestidinhos leves, que ficam insistindo em voar e não mostrar nada. Só ficam atiçando nós, pobres homens enquanto bebemos o chope nosso de cada sábado. É isso que me perturba.
- Realmente compadre, isso perturba mesmo. Ainda mais quando elas aparecem assim sem muita pintura na cara. Mulher tem que se ligar que quanto mais simples, mais bonita fica.
- Isso, isso mesmo. Sempre falo isso para a Martinha. Mas não tem jeito, ela insiste em botar aqueles saltos altos e se pintar toda. Te confesso que tenho até saudade quando éramos mais novos e ela só saia comigo pela cidade de vestido e All Star no pé.
- Mulher tem dessa. Vai ficando velha e cai nessa de se aprontar toda. Além é claro da cisma de perder quilos toda hora.
- É vero.
- Pô, a Cláudia deve pesar o quê? Uns 53, 54 quilos?
- Acho que por aí.
- Pois é, aí vive me enchendo a porra do saco para emagrecer e tal. Eu quando tô de bom humor ainda digo: “Meu anjo, você tá linda, não precisa perder nada”. Mas tem hora que não dá porra!!
- Eheheh...é foda mesmo.
- Ei! Olha lá, tá vendo?
- Aonde?
- Lá do outro lado da rua de vestidinho azul, toda branquinha, de óculos.
- Tô, tô, que belezura!
- Meu compadre, lhe confesso que foi em um vestido azul a primeira vez que vi a Cláudia. Paixão a primeira vista, sei lá. Olha que isso faz uns treze, quatorze anos, por aí. Eu tava saindo de uma sessão de um filme horrível de terror no meio de semana sem nada para fazer. E lá estava ela.
- Que coincidência velho. A primeira vez que vi a Martinha ela também estava de vestido azul. Estávamos em uma sala de cursinho, com todo mundo junto para uma aula qualquer e ela apareceu. Diretamente vinda do CB. Linda, sem maquiagem. Simples e bela. É claro que inventei mil desculpas para falar com ela.
- Boas lembranças.
- Pois é.
- Levanta teu chope ai! Um brinde as nossas belas esposas!
- E um brinde as mulheres de vestidos e sem maquiagem!
- De preferência azuis!
- Azuis! Os melhores!
Depois de virarem seus respectivos chopes, os dois velhos amigos e compadres, pedem mais um, só que quando viram para o lado eis que surge no bar uma morena estupenda, com uma bunda do tamanho de um estado, toda arrumada, com calça colada, sapato de salto alto, camisa de marca, bolsa chique e com o rosto coberto de maquiagem. Impossível ficar imune a sua visão.
- Putz!
- Caceta!
- Meu compadre...
- Hum...diga meu compadre.
- Aquela regra sobre mulheres e vestidos e tal, tem exceções né?
- Claro. Uma regra para ser uma regra de verdade tem que ter exceção. Isso é lógico.
- Concordo.
- Um brinde às exceções então!
- Às exceções!!
E assim a tarde vira noite...