sexta-feira, 20 de abril de 2007

A Marcha Dos Falsos Contentes

Ele passava na rua meio cabisbaixo, quando ao longe escutou alguém dizer que o tempo não para. Ele acreditava que tudo seria diferente enquanto avistava as flores soltas murchando fora da água enquanto criava coragem para abrir o cartão barato que com certeza continha algum pedido de desculpa sincero. Ele destoava de todos enquanto andava na contramão, acreditando na bondade do ser humano que leu em livros mais antigos.
Enquanto fazia isso o mundo passava pela sua frente, deixando-o saborear pequenos pedaços, leves mordidas de prazer e satisfação quase sempre embrulhadas em papeis de desilusão e descompasso. Sabia que toda alegria seria precedida por uma tristeza miúda que logo seria surpreendida por um alvoroçar de sensações, comandadas por uma paixão avassaladora que não tinha hora para começar, nem tempo para terminar.
Resistir bravamente já não era capaz, tudo parecia risivelmente vulgar e banal, então naquele momento só restava se entregar, conceber ao desejo sem algemas ou pré-configurações. Mas lá no seu íntimo sabia também que tudo isso poderia ser maravilhoso, pois já não pensava em viver tudo isso novamente, algo que a vida já lhe renegara há tanto tempo. Ele sabia que dessa vez precisava insistir, cavar mais fundo do que suas mãos chegavam, cavar com dor para atingir a satisfação.
No fundo ainda escutava uma voz o atormentando afirmando que o tempo não para, coisa que para ele era quase uma verdade universal e não entendia porque aquilo lhe assustara tanto. Foi assim desde o inicio dos seus tempos, desde que gritou na chuva pela primeira vez ou quando fez juras cegas de amor mesmo sabendo que não iria receber algo em troca. Toda vez que tentava parar e jogar tudo para cima, lá vinha esse tal de tempo para avacalhar tudo e lhe arrastar para seguir a marcha dos falsos contentes, a caminhada por ídolos senis.
E hoje quando olha em volta tudo mais que lhe oferece viver novamente, tenta acreditar no que lhe ensinaram ser o destino, no que os poetas lhe disseram ser caminho. Os seus olhos não fazem parte desse coro e enxergam novas chances, possíveis recomeços que logo são informados ao coração que faz a sua parte para iludir a tão sensata e tão infantil razão. Cabe a ele lembrar nesse momento o que aquela voz lembrava do tempo que não para e caso ele aceite essa pequena e ínfima verdade, a dádiva de começar de novo lhe será concedida, desde que dessa vez ele consiga cavar pra valer.
P.S1: Texto antigo encontrado em meio a alguns outros da época da universidade, sem data mas deve ser de 2001,2002.
P.S2: A imagem é uma escultura do australiano Ron Mueck, o qual todos deviam conhecer seu trabalho.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Uma Sexta-Feira Qualquer

Sexta-feira é o dia mais propicio da semana para sair de casa, tomar uma cervejinha, bater um papo com os amigos e lá pelas tantas dar uma esticada até uma festa qualquer. Marcos Roberto um belo dia resolveu cumprir todas essas etapas. Fazia um bom tempo que não saia de casa e naquele dia como era seu aniversário resolveu chamar os velhos amigos de guerra para relembrar aquilo que chamava saudosamente de "bons tempos". Os amigos se assustaram de inicio com o convite, mas como são muito difíceis, aceitaram quase que de imediato.
Inventaram desculpas para a esposa, no trabalho mataram algum parente distante pela décima vez, brigaram por motivos estúpidos com as namoradas, mas todos saíram, afinal de contas não podiam perder essa chance. Nunca mais tinham visto o Marcos Roberto e além de tudo ele iria pagar a conta, coisa rara de acontecer, devido digamos assim a seus termos "econômicos". Todos estavam curiosos para saber o motivo dessa gandaia, saber o que tinha acontecido de grave para que tal situação estivesse ocorrendo.
Chegando no barzinho, os amigos em torno de oito mais ou menos, se abraçaram e começaram a conversar, estavam todos lá, entre eles o Cardoso, que era o piadista da turma, Zezinho, o mulherengo, Clóvis, o mentiroso, Henrique, sempre idealista, Pablo, o bêbado sempre chato, Tião, o metido a brigão e claro que o Almeida também se fazia presente, típico gordinho enjoado que é sempre avacalhado e que existe em qualquer turma.
Começaram a beber, passaram por todos os caminhos da lei dos 20 chopes, mas uma pergunta não parava de rondar, sussurrada aos quatro cantos da mesa: "O que será que aconteceu com o Marcos Roberto?". Várias enquetes rolavam paralelamente na mesa, mas ninguém tinha coragem de perguntar diretamente. Coisas do tipo:
- "Será que a Carlinha pediu o divórcio?", conspirou o Zezinho, já meio interessado;
- "Pois eu digo que o Marcos foi demitido, me contaram", falou o Clóvis;
- "Eu acho que ele tem é pagar mais uma...", soluçou o Pablo;
- "Pois eu acho é que ele tomou coragem e resolveu finalmente assumir seu lado gay...", falou o Cardoso para a risada de todos na mesa.
Como ninguém perguntou nada, o Marcos Roberto (nome de cantor brega, não?) convidou a galera para ir a uma festa qualquer. Chegando lá aconteceu o normal, rolaram algumas cantadas fajutas para as meninas que não deram em nada, alguns vomitaram, rolou uma porrada devidamente provocada pelo Tião, subiram no palco para cantar, alguns namoraram e por aí vai.
Às 06:00hs da matina, já amanhecendo e comendo uma tapioquinha com café para não perder o antigo hábito e ajudar a curar o porre, onde já rolavam papos do tipo: "Ei cara, tu sabes que te considero para porra, tu é meu amigo mesmo...", foi quando Marcos Roberto pediu atenção pois queria falar. Todos se excitaram, recobraram o juízo, o Pablo coitado se levantou do chão onde estava deitado, o Almeida parou de comer sua sétima tapioquinha no mesmo momento, pois finalmente eles iriam saber o motivo que tinha levado a toda aquela farra inusitada.
"Olha galera, o motivo que me levou a comemorar meu aniversário este ano...", começou o discurso, "Foi que eu vou embora semana que vem, fui promovido e me mandarei para a Inglaterra com a Carlinha e com o bebê que ela tá esperando, é, vou ser pai também e essa deve ser a última vez que verei vocês em um bom tempo, então queria me despedir em grande estilo...". De repente, rolou um "aaaaaahhhhhh...." entre os amigos, foi uma decepção geral. Todos esperavam algo bombástico, revelador e acontece isso, é exatamente igual quando o seu time em uma decisão de campeonato precisa de um gol desesperadamente e já são 48 minutos do segundo tempo, quando o camisa 10 vem driblando, driblando, driblando, tira o goleiro, fica sozinho e chuta para fora. A decepção fora a mesma.
Depois, todos se abaraçaram, o Pablo, o Almeida e até mesmo o grosso do Tião choraram, o Clóvis começou com as suas dizendo que já tinha ido a Inglaterra muitas vezes e que ficava ali pertinho da China, entre outras. Confirmaram sua amizade mais um bom número de vezes e se despediram com um certo ar de tristeza no rosto, não exatamente pela partida do seu grande amigo, pois é claro que ele ia fazer falta, que estavam alegres pela promoção e pelo bebê, mas principalmente por se armarem tanto para receber uma notícia daquelas, um furo jornalístico para ninguém botar defeito e não acontecer "nada".
Estavam na verdade putos com o Marcos Roberto por isso, pois afinal de contas era sexta-feira e apesar de terem se divertido muito e gastado quase nada, não era aquela a notícia que queriam naquela noite. Ele podia ter feito um churrasco no sábado de manhã ou deixado para segunda, sabe se lá. Agora, vá entender...