quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Um Terça Feira Qualquer

Terça feira de uma manhã qualquer, ele vai voltando pela mesma estrada que alguns anos atrás jurou nunca mais colocar os seus pés, nunca mais ter em seus olhos aquele horizonte pálido e sem gosto que permeou grande parte de suas antigas desilusões.
Em meio a sua bagagem de hoje não existem mais as revistas amassadas, o exemplar de “On The Road” surrado, fitas cassetes com Lou Reed e Picassos Falsos, hoje na sua pequena bagagem de mão entram alguns itens de higiene pessoal, uma camiseta suja escrita “Eu te amo” e um mp3 player com algumas bandas novas.
Na cabeça, o que era repúdio hoje se vestiu de indiferença e enquanto caminha do terminal até onde ficava o único hotel que existia na cidade, percebe que hoje nem ele mais existe. Confuso solicita informação de um senhor que passa tranquilamente pela rua com seu saco de pães na mão, ficando surpreso ao saber que existem três hotéis mais a frente. “As coisas mudam mesmo”, pensa calado.
Quando foi embora da sua cidade tinha 15 anos, transcorria o ano de 1990, sua cabeça girava aos montes depois de perder seu pai e mãe em um acidente trágico envolvendo um cavalo e um ônibus de passeio, não vendo para si o futuro que se espelhava a sua frente, que era contar com a ajuda de alguns tios e tocar o negócio do pai, mais precisamente uma antiga casa de ferragens no centro quase mórbido da cidade.
Escreveu um bilhete renegando todo seu futuro, pegou algum dinheiro espalhado pelas gavetas, enfiou algumas coisas na velha mochila que levava para o treino do Independente Futebol Clube e seguiu sem olhar para trás, com a cabeça cheia de sonhos em montar uma banda, trabalhar na Bizz ou se nada desse certo, ser alguma coisa dentro do mundo do entretenimento.
Anos depois, aos 31 anos, não conseguira nem uma coisa nem outra, largara o curso de jornalismo e hoje se virava como webdesigner desenvolvendo sites na internet, o que apesar de ser meio entendiante, lhe dava o suporte suficiente para viver. E nunca mais lembrara de sua cidade natal. Até uns dias atrás.
Recebeu um telefonema do seu tio que tinha em mãos uma boa proposta pra vender a antiga loja de ferragens para alguém que queria abrir uma “tal” de MacDonalds por lá. Queria conversar e por ele ser o herdeiro legal, precisava dele por perto, “pelo menos dessa vez”, fazia questão de enfatizar em um tom de voz bem grave. E lá estava ele.
Não havia vencido como planejara, apenas sobrevivia. Decerto teve alguns momentos felizes nesse tempo em que passara distante, mas no mais tudo se resumira a um pequeno quarto na periferia da capital, onde passava a maior parte do seu tempo, trocando e-mails, buscando figuras e acessando sites pornôs.
Não fizera grandes amigos, tivera algumas parcas namoradas e apesar de estar com “apenas” 31 anos como fazia questão de lembrar frequentemente, como em um mantra de auto ajuda, se sentia como um senhor no alto dos seus 60 anos em algum ano perdido dos anos 20.
Chegou ao hotel, guardou suas coisas, fez uma reserva de um dia, olhou para o horizonte e ficou assustado de como não lembrava mais de nada. Foi até o encontro de seu tio e em meio a perguntas absurdas de pessoas que se diziam seus parentes, mas que ao seu olhar eram tão estranhas quanto o seu vizinho de apartamento.
Fechou o negócio, deu seu consentimento, deixou o número da sua conta bancária para depósito dos valores, pois precisava do dinheiro para ajeitar algumas coisas e se despediu sem aceitar nenhum dos convites de almoço que recebera daqueles que se diziam seus parentes.
Saiu a esmo, tentando até mesmo inconscientemente encontrar algo que desse um sentido a tudo que fizera então. Sempre que podia disfarçava mas era certo que estava em crise já há alguns anos. Colocou o disco “Stop All The World Now” do Howie Day para tocar e projetou seus passos em direções que pareciam ser conhecidas. Propenso erro.
Não encontrou ninguém, não conhecia mais ninguém e para ser honesto não falara com quase ninguém a não ser sua família e alguns mendigos que a cidade já orgulhosamente ostentava no seu progresso. Dormiu cedo após assistir o “Linha Direta’ da Globo, depois de optar por não ver “Rocky V” no SBT. Nada sonhou.
Acordou, arrumou suas coisas e ao sair do hotel olhou para os lados para ver se nada acontecia de repente, como se alguém fosse lhe dar uma explicação para tudo ou uma ex namorada viesse gritando que lhe amava e fizesse-o ficar como nos filmes que falavam de regresso. Mas nada aconteceu. Sempre soube que sua vida não era digna de filme, no máximo algumas notas de rodapé em um jornal sensacionalista e barato.
Então seguiu em frente, como há dezesseis anos atrás, sem olhar pra trás, sem nenhuma explicação pelos seus atos e sua vida, tendo como única diferença a certeza de alguns reais a mais na sua conta corrente e de que não havia errado anos atrás quando foi embora e portanto não lhe sobrava nada pra se arrepender.