quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Sapatos no chão

Olhar vão, triste e são
Doce refúgio, infesto de alegrias, cores de nostalgia vendidas em doses com limão
Estranho cessar, vago e prático
Confusa negação, empilhada em quadros na parede, fotos cínicas de um tempo sádico
Sapatos imundos, virados no chão
Energia incessante, palco patético, discos arrumados como um falso pedido de perdão
Café sem açúcar, vida sem sal
Ressaca dissonante, remédios cantando, nada que cure a urgência do inerente mal
Vozes abafadas, suplicas de paixão
Portas batendo, choros autênticos, vergonha nenhuma inserida no meio da multidão
Promessas internas, conveniências sem ninguém
Um novo caminho, os mesmos espinhos, seguindo sem destino nas ruas de Belém

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Retornos

Acredito no amor. Assim como acredito que o Brasil pode melhorar e que todas as pessoas mesmo as mais imperfeitas tem direito a uma segunda chance. Sou um grande fã das segundas chances. Acredito também em voltar a ver o Flamengo brilhar. Acredito na música. Acredito na renovação. Acredito ainda até que vou perder alguns quilos e voltar a caber em algumas roupas, como também acredito que ainda podemos fazer algo para mudar o mundo no nosso dia a dia.
Difícil acreditar nisso não? Ser um imenso sonhador quando a vida vai te deixando mais velho, cansado e descrente, parece uma grande burrice não é verdade? Na verdade a grande burrice é não acreditar, é não crer em mudanças, é ficar reclamando da vida, resmungando de atos e passagens mal sucedidas. Desacreditando sonhos, cobrando favores de ilusões, sentando a beira do caminho da fé.
Acredito no amor acima de tudo pelo simples fato de que ele existe. Nobre e honesto, apesar de sua eterna inconstância. Acredito no amor quando ouço um disco do Morrisey ou quando “All You Need Is Love” dos Beatles toca em algum lugar. Acredito no amor organizando uma caixa velha com cartas amarelas, cartões bobos e declarações não atendidas. Acredito no amor, pois creio no aprendizado do erro e na estrada do conserto. Não me vejo sem acreditar.
Acredito em mudar o mundo de alguma forma, ajudando quem mais precisa do meu lado, não sentando a bunda em uma cadeira bem acolchoada, tomando um vinho e criticando tudo e todos ao meu lado. O mundo pode ser mudado pela bondade, solidariedade, compaixão. O mundo pode ser mudado enquanto damos um prato de comida ou quando encaramos algum projeto social. O mundo pode ser mudado até mesmo quando fazemos uma poesia.
Já desisti de não acreditar, muito de mim mudou e tentou me deixar descrente, mas a força da fé na vida, da fé na mudança, da fé nas pessoas, continuava viva. Acredito. Isso para mim me dá força. Acredito. Porque não sei viver sem acreditar. Acredito porque a vida insiste em nos dar novas chances, em oferecer retornos para começarmos uma segunda vez, retornos para que possamos ser mais do que achamos que podemos ser.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Doce Desespero

E pela manhã lá estava ele acordado novamente com seus sonhos, andando pela praia a procura de saí­das, de espasmos de felicidade.
Sua vida nos últimos anos se resumia a isso, a espasmos, a conta gotas de felicidade.
Tudo que lhe proporcionara um sorriso agora vinha em doses homeopáticas, em tristes doses de botequim.
Pela praia insistia em caminhar cedo, adentrando o mar para largar suas frustrações diárias.
Lá deixava seus desafetos de trabalho, seu fracasso em subir na vida.
Deixava suas decepções amorosas, os rostos das mulheres que amou um dia, o cheiro de seus cabelos e de suas mãos.
Arremessava seus arrependimentos na maré, como se fosse final de ano.
Para ele isso já pouco importava.
O que não aguentava mais era ter que conviver com tantas duvidas, tantos porquês.
Tinha feito tudo como mandara o figurino.
Lido todos os livros que podia, escutado as melhores canções, visto os melhores filmes, ouvido os mais sábios e de tudo isso absorvia idéias para sua vida.
Se tornara um cara desejado, culto, admirado por muitos.
Mas algo fizera errado.
E com os 40 e poucos anos lhe assombrando, era somente isso que não sabia administrar.
Onde havia errado?
O que teria feito para não dar certo?
E seguia andando pela praia de manhã, submergindo com seus erros, até o dia em que não conseguiria levantar, o dia em que não pudesse mais, em que a batalha estivesse perdida.
Mas ainda assim seguia junto com o doce desespero que invadia seu ser.
Sem parar jamais.