quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Cabelos Brancos

Não estou mais na fase de ter muitas descobertas físicas com certeza, mas esses dias tive uma que realmente me assustou, aliás sendo bem honesto me deixou em pânico, completo e total. Já passei há tempos da fase de se admirar pelo nascimento de pêlos pelo corpo, seja pelas axilas ou áreas pubianas, pelo nascimento das espinhas e outras descobertas inerentes ao nosso crescimento natural, mais nada me assustou ou me deixou mais perturbado do que meu primeiro cabelo branco.
Decerto esse não foi o primeiro em si, mas com certeza foi a primeira vez que percebi. Acho que depois dessa visão mais uns cinco cresceram só de preocupação com o primeiro e acho que também para não deixá-lo muito sozinho. Eu que já passei pela fase dos 30 aos 20 anos e hoje com meus 26 anos estou entregue a crise dos 40, fiquei pasmo. Ninguém quer envelhecer, isso é verdade, apesar de às vezes por vontade de dar uma de intelectual, dizer "que envelhecer é uma arte", isso é pura balela, na hora do vamos ver, todo mundo corre.
Só sei que não estava preparado para isso. O homem nunca está. Apesar de nos últimos tempos meus amigos viverem me chamando de velho pelas minhas atitudes, aliás, pela renuncia de muitas das minhas digamos assim "atividades", e eu achar isso bacana, tipo "To ficando cansado dessas coisas", ou "Não tenho mais saco para isso", a verdade é que você fica puto porque não agüenta mais ser o mesmo cara dos teus 18 anos.
Tenho que rejuvenescer, foi o que me veio a cabeça, ainda incomodado com este ser estranho, quase um "alien", todo branquinho, zoando com os negros do lugar sem medo, se impondo, meio louco e assimilando a forma com que me deixara bagunçado. Pensei primeiro em cortar o fio desgraçado, mas isso seria muito cruel e afinal cresceriam outros, pintar o cabelo também seria trágico demais, já pensou se alguém descobre? Quando se percebe que o tempo vai passando, o que mais se quer é colocar coisas que impeçam essa impressão de se prolongar, tipo comprar camisetas alegres, blusas floridas, andar com meia no tênis, fazer umas tatuagens, namorar uma menina de 15 anos bem gostosa, ou comprar um carro conversível.
De todas as possibilidades acima, a que me deixou mais alegre seria comprar um Porsche, ou uma Ecosport, mas infelizmente não foi viável quando olhei meu gerenciador financeiro no Banco do Brasil. Fazer o quê, o jeito é se contentar. "Tenho amigos que tem muitos cabelos brancos e são mais jovens que eu", "Quantas coisas já fiz, deveria era estar contente por ter chegado até aqui", "São os últimos meses, tantas coisas para resolver só podia dar nisso". Enquanto tentava me aliviar com algumas considerações dessas, o filha da puta do meu cabelo branco não saia da minha cabeça, literalmente. "Velho é o escambau, quero voltar a ter 18 anos!!!" O desespero bateu.
Colocar um disco do Blink 182 para tocar, ver a malhação, sair para tomar uma cerveja até de manhã com um monte de amigos ou viajar para praia eram decisões a serem tomadas urgentemente. Não fiz nada. Preferi sair para tomar um choppe com uma velha amiga, contei todo meu drama pessoal e no final ela me disse "Não fique assim, esse cabelo branco te deixa mais charmoso, com ar de experiente, ficas melhor assim...".
É para isso que temos bons amigos sabiam? Para te dar uma opinião fascinante em uma hora de desespero e fazer você voltar a sorrir, mesmo sabendo que é tudo mentira. É claro que eu acreditei, afinal não tinha muitas alternativas e quer saber? To me olhando no espelho direto para ver se nascem mais desses seres capilares na minha cabeça, enquanto escuto o "Document", disco do R.E.M de 1987, cantando junto, afinal "It´s the end of the world as we know it i feel fine..."

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Zeus

Tu dizes que me ama
Me acalmo
Me inspiro a acreditar
Tu juras que me adora
Me superestimo
Me faço levitar
Tu me entregas o teu prazer
Me sublimo
Me ponho como Zeus
Tu insistes em ser um só
Me entristeço, te renego
E assim te perco

"God Bless You..."

Dias difíceis os últimos...perder um amigo, alguém que convivemos quase que diariamente, sabemos dos planos, da vida, realmente não é tarefa fácil. Impossível não pensar nesse sorriso, difícil mesmo, impossível não ficar preocupado com o destino que as coisas vão tomar, com as pessoas envolvidas diretamente nessa fatalidade. Por mais que façamos posse de fortes, a noite no quarto, somos frágeis como crianças.
Que Deus te abençoe aí em cima minha amiga, minha prima, minha comadre, invada o céu como sempre fez por aqui, com sua alegria, sua descontração, seu sorriso, suas risadas, invada o céu com todo esse jeito que cativou tantos por aqui, invada o céu fazendo alarde da sua chegada, pois mereces muito.
Em todos esses anos de amizade, tenho certeza que fomos sinceros um com o outro, contamos segredos, compartilhamos alegrias, nos tornamos família (Deus sabe o quanto fiquei feliz em ser padrinho da Samile, lisonjeado, todo besta, não parava de falar)...Tente não se preocupar, faremos de tudo aqui em baixo pela sua loura, pode ficar tranqüila, e sei que irá nos ajudar daí, tenho certeza disso.
Todos temos defeitos e você não fugia disso, afinal de contas somos humanos e erramos muito, mas no seu caso, suas virtudes sempre foram muito maiores do que isso. Ter andado do teu lado é o que agradeço hoje, fazer parte da tua família, ter tido tua confiança tantas e tantas vezes.
Tenho a completa certeza de que tua luz não se apagará e em minha memória sempre ficarão as lembranças dos dias felizes que partilhamos em festas, na tua casa com o Sinval comendo pizza, pelas prais nas férias e em todos os lugares que o teu sorriso e tua risada explodiram do nada.
Siga com a paz dentro da sua alma, para fazer o serviço para que foi chamada a fazer, iluminando aqueles que aqui ficaram, seus pais, irmãs, esposo, filha e amigos, fazendo do céu um lugar muito mais divertido e muito mais amigo de se estar...
"God Bless You..." minha prima...

terça-feira, 1 de novembro de 2005

Dom de Iludir

Ele era um quarentão enxuto, solteiro, figurinha carimbada nas noites da cidade, que se achava um verdadeiro Don Juan saindo para "caçar" sempre sozinho, acompanhado apenas de um copo de uísque na mão, que na verdade nunca bebera era só para fazer charme, como costumava afirmar. Ela era magnifica, no alto de seus 30 e poucos anos, com um ar de Demi Moore no rosto, parecendo imponente, independente, esbanjando auto suficiência nos gestos, uma verdadeira mulher dos novos tempos.
Se encontraram no ambiente de música ao vivo da danceteria, onde o Solano Quartet esbanjava um jazz e mpb de alto nível. Determinado hora, os olhos se entrelaçaram de forma suspeita e indicativa, ele fazendo pose em um canto do balcão e ela com um cruzar de pernas fascinante do outro lado.
Ele pediu outra dose de uísque, mandou o barman que jogasse fora a antiga, visto que estava só água e partiu ao encontro dela, puxando a mais barata das cantadas conhecidas:
-Boa noite, estava lá do outro lado e não pude deixar de notar sua beleza, vens sempre aqui?
-Não, hoje é a primeira vez.
-Agradável esse ambiente, não?
-Para falar a verdade, não estou gostando muito.
-Mas a música está boa, há de convir...
-Eu nunca gostei muito de Miles Davis, ela diz.
-Olha, você pode até não acreditar, mas acho que te conheço de algum lugar (sim, ele soltou essa pérola)...
-Só se for do supermercado.-
Porquê? Não costumas sair de casa com freqüência?
-Só para o trabalho.
-Desculpe minha modesta intromissão, mas trabalhas com o quê?-
Sou editora.
-Que interessante, gosto muito do Milan Kundera, acho aquele livro dele "A Brincadeira", muito intenso, concordas?
-Prefiro "A Imortalidade".
-E de literatura beatnik, gostas?
-Odeio! Acho os autores um monte de rebeldes sem causa.
-Mas as palavras deles marcaram uma geração..., insiste ele.
-Odeio Beatles, beatniks e principalmente bitolados, detona ela.
-Você deve gostar dos Stones, então?
-Não, Frank Sinatra.
Ele para, "Ela parece ser inteligente", pensa. Na verdade não conhecia nada de jazz e muito menos de literatura, sabia o nome de alguns autores e livros que usava como charme barato para impressionar as mulheres mais distraídas, não tinha a mínima idéia do que era um beatnik e muito menos sabia quem era esse tal de Milan Kundera, sobre quem tinha lido alguma coisa na Bravo! do mês passado.
E apesar de não estar dando uma dentro, ele era brasileiro e não desistia nunca, partia de novo ao ataque aproveitando a deixa de uma música do Caetano, esse sim ele conhecia, tinha todos seus discos, livros, colecionava autógrafos e tudo mais.
-Essa música é maravilhosa....
-Eu não acho, retruca ela.
-Você não gosta de Caetano? Não acredito?
-Tenho é raiva, acho ele forçado e gay.
"Agora parou", pensa ele. "Dar uma de difícil, me esnobar, não gostar de Beatles, tudo bem, agora chamar o Caetano de bicha não dá, pô!".
-Pois bem, acho que está chegando minha hora, já vou embora.
-Porquê?
-Porquê? Droga, você fica me encarando, cruzando as pernas direto na minha direção, quando eu chego para falar contigo, discordas de mim a toda hora, fica me enrolando e ainda por cima chama o Caetano de gay e ainda queres saber o porquê? Tenha paciência, tchau! Vou Dormir!
-No meu apartamento ou no seu?
E de noite naquele quarto em uma tórrida noite de amor, ao fundo toca "Dom de Iludir" do Caetano, fazendo ecoar pelo ar as frases:
"Não me venha falar da malícia de toda mulher...como pode querer que a mulher vá viver sem mentir...."