quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Um Terça Feira Qualquer

Terça feira de uma manhã qualquer, ele vai voltando pela mesma estrada que alguns anos atrás jurou nunca mais colocar os seus pés, nunca mais ter em seus olhos aquele horizonte pálido e sem gosto que permeou grande parte de suas antigas desilusões.
Em meio a sua bagagem de hoje não existem mais as revistas amassadas, o exemplar de “On The Road” surrado, fitas cassetes com Lou Reed e Picassos Falsos, hoje na sua pequena bagagem de mão entram alguns itens de higiene pessoal, uma camiseta suja escrita “Eu te amo” e um mp3 player com algumas bandas novas.
Na cabeça, o que era repúdio hoje se vestiu de indiferença e enquanto caminha do terminal até onde ficava o único hotel que existia na cidade, percebe que hoje nem ele mais existe. Confuso solicita informação de um senhor que passa tranquilamente pela rua com seu saco de pães na mão, ficando surpreso ao saber que existem três hotéis mais a frente. “As coisas mudam mesmo”, pensa calado.
Quando foi embora da sua cidade tinha 15 anos, transcorria o ano de 1990, sua cabeça girava aos montes depois de perder seu pai e mãe em um acidente trágico envolvendo um cavalo e um ônibus de passeio, não vendo para si o futuro que se espelhava a sua frente, que era contar com a ajuda de alguns tios e tocar o negócio do pai, mais precisamente uma antiga casa de ferragens no centro quase mórbido da cidade.
Escreveu um bilhete renegando todo seu futuro, pegou algum dinheiro espalhado pelas gavetas, enfiou algumas coisas na velha mochila que levava para o treino do Independente Futebol Clube e seguiu sem olhar para trás, com a cabeça cheia de sonhos em montar uma banda, trabalhar na Bizz ou se nada desse certo, ser alguma coisa dentro do mundo do entretenimento.
Anos depois, aos 31 anos, não conseguira nem uma coisa nem outra, largara o curso de jornalismo e hoje se virava como webdesigner desenvolvendo sites na internet, o que apesar de ser meio entendiante, lhe dava o suporte suficiente para viver. E nunca mais lembrara de sua cidade natal. Até uns dias atrás.
Recebeu um telefonema do seu tio que tinha em mãos uma boa proposta pra vender a antiga loja de ferragens para alguém que queria abrir uma “tal” de MacDonalds por lá. Queria conversar e por ele ser o herdeiro legal, precisava dele por perto, “pelo menos dessa vez”, fazia questão de enfatizar em um tom de voz bem grave. E lá estava ele.
Não havia vencido como planejara, apenas sobrevivia. Decerto teve alguns momentos felizes nesse tempo em que passara distante, mas no mais tudo se resumira a um pequeno quarto na periferia da capital, onde passava a maior parte do seu tempo, trocando e-mails, buscando figuras e acessando sites pornôs.
Não fizera grandes amigos, tivera algumas parcas namoradas e apesar de estar com “apenas” 31 anos como fazia questão de lembrar frequentemente, como em um mantra de auto ajuda, se sentia como um senhor no alto dos seus 60 anos em algum ano perdido dos anos 20.
Chegou ao hotel, guardou suas coisas, fez uma reserva de um dia, olhou para o horizonte e ficou assustado de como não lembrava mais de nada. Foi até o encontro de seu tio e em meio a perguntas absurdas de pessoas que se diziam seus parentes, mas que ao seu olhar eram tão estranhas quanto o seu vizinho de apartamento.
Fechou o negócio, deu seu consentimento, deixou o número da sua conta bancária para depósito dos valores, pois precisava do dinheiro para ajeitar algumas coisas e se despediu sem aceitar nenhum dos convites de almoço que recebera daqueles que se diziam seus parentes.
Saiu a esmo, tentando até mesmo inconscientemente encontrar algo que desse um sentido a tudo que fizera então. Sempre que podia disfarçava mas era certo que estava em crise já há alguns anos. Colocou o disco “Stop All The World Now” do Howie Day para tocar e projetou seus passos em direções que pareciam ser conhecidas. Propenso erro.
Não encontrou ninguém, não conhecia mais ninguém e para ser honesto não falara com quase ninguém a não ser sua família e alguns mendigos que a cidade já orgulhosamente ostentava no seu progresso. Dormiu cedo após assistir o “Linha Direta’ da Globo, depois de optar por não ver “Rocky V” no SBT. Nada sonhou.
Acordou, arrumou suas coisas e ao sair do hotel olhou para os lados para ver se nada acontecia de repente, como se alguém fosse lhe dar uma explicação para tudo ou uma ex namorada viesse gritando que lhe amava e fizesse-o ficar como nos filmes que falavam de regresso. Mas nada aconteceu. Sempre soube que sua vida não era digna de filme, no máximo algumas notas de rodapé em um jornal sensacionalista e barato.
Então seguiu em frente, como há dezesseis anos atrás, sem olhar pra trás, sem nenhuma explicação pelos seus atos e sua vida, tendo como única diferença a certeza de alguns reais a mais na sua conta corrente e de que não havia errado anos atrás quando foi embora e portanto não lhe sobrava nada pra se arrepender.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Definições

Muitas pessoas precisam de definições, precisam ser rotuladas, pois não conseguem seguir adiante sem ter pregado no seu corpo em letras garrafais e brilhantes, todas as suas virtudes e os seus pequenos, quase inexistentes defeitos. Quando não se liga para isso, eis que a tarefa recai para aqueles que devido a sua pequena visualização de vida, precisam enxergar aos outros como seres inseridos dentro de alguma lógica de comportamento.
No mundo de hoje todo mundo te pergunta como és, do que gostas, por onde andas. Seja as campanhas de telemarketing, forçando uma intimidade impossível de acontecer, seja os cadastros na internet, onde já chegaram a me perguntar certa vez “Qual a minha marca preferida de cuecas?”, os sites de relacionamentos como o orkut, e acima de tudo as próprias pessoas. Definir os outros parece uma realidade, enquanto na verdade não teria que acontecer.
Uma das maiores características do ser humano é sua inconstância. Porque não posso conviver dentro do meu Mp3 com o disco novo do The Rapture e outro do Fundo de Quintal? Porque não posso mudar minhas convicções de acordo com meu pensamento atual? Porque não posso acordar hoje extremamente apaixonado e amanhã não sentir o mesmo? Somos mutáveis, camaleões, por mais que vez ou outra pensarmos que não, que não mudamos nunca.
Rótulos são para mercadorias espalhadas na vitrine de um supermercado. Definições são tão chatas, pois limitam cada ser humano a um pequeno universo que não lhe é suficiente. Não defina ninguém, não permita que ninguém lhe defina. Entenda que gostos pessoais são diferentes da tua personalidade e no final das contas, o que vale mesmo é o teu caráter, a nobreza da tua alma. Deixe os outros pensarem que tua vida é de um jeito, mas nunca ceda para que isso realmente aconteça.
Definições? Para quê? Para quem? Prefiro me ausentar e não dizer como sou, quem sou, de onde venho, prefiro que me descubram aos poucos e percebam todas as minhas inúteis virtudes, todos meus erros absurdos. Prefiro que me digam quem sou, para que marque no meu total inconsciente as impressões que deixo, que uma pessoa normal aparenta ser. Prefiro, quando consigo, esperar ao invés de me afobar, relaxar em vez de estressar, viver tranqüilo quando todos se preocupam, amar quando assim for chamado pelo amor.
Deixo essas pobres definições, para quem precise delas, eu sou apenas eu, por mais banal que isso possa parecer.

sábado, 8 de setembro de 2007

Blues Sem Alma

Uma noite comum
Um espaço qualquer
Uma bebida forte
Um blues sem alma
Uma linda mulher
Um papo canalha
Um quarto de motel
Uma transa sem graça
Um novo sol
Uma outra promessa
Um filme sem fim
Uma festa barata
A vida se repetindo a cada hora
Bocas secas nascendo o diaP
alavras vazias ecoando no ar
Só pra te dizer"Um bom domingo pra você"

sábado, 18 de agosto de 2007

Parco Coração

Distante ia quando o coração já não conseguia enxergar
E pensava em ternos dourados, com bodas de glamour
Sonhando com suas frágeis concepções do que era viver
Regando a flor que sobrara no seu enlameado jardim
Vibrante ficava quando os olhos cruzavam seu caminho
Mares, oceanos, rios de alegria completavam teu não
Com soluções copiadas de um livro de receitas barato
Adicionava ilusões no esboço daquilo que chamara de lar
Estonteante estava quando partia para sua frágil promessa
Atravessando odisséias e vilões como um dom quixote senil
O perfume das parcas manhãs felizes lhe saudavam a esmo
Enquanto desfazia seu contorno chorando palavras de perdão
Infante discutia com vozes que não tinham mais rosto algum
Desfazendo o simples traço que restara do seu vazio amor
Olhava as torres se erguendo ao seu lado com ostentação
Simplesmente lembrando que um dia nada disso a importou

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Apenas Estranhos

Seremos apenas estranhos neste mundo
Destituídos de virtudes e de boas vontades
Inundando nossas mentes com injúrias
Mentiras, perjúrios, muitas e parcas respostas
Seremos apenas corpos inteiramente inertes
Submersos a todos os problemas que virão
Cansados de uma vida sem graça e batida
Buscando algo que faça-se sobreviver melhor
Seguiremos em caminhos opostos e distantes
Sem aventura, sem prazer, sem ninguém
A solidão será nossa mais habitual parceira
Encenaremos assim nossa peça da vida real
E um dia quem sabe nos encontraremos
Em algum lugar sujo vivendo uma vida vadia
E então possamos nos redimir e confessar
Tentando viver tudo aquilo que deixamos passar

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Sunday Morning

Domingo. 08:30 da manhã. Uma cara de ressaca aparece no espelho do banheiro. A mesma cara cansada dos últimos anos, a mesma cara em busca de redenção. O espelho já nem reage mais, parece se contentar com aquela imagem aos domingos de manhã e veladamente parece agradecer por não ter que refletir essa imagem mais constantemente como tempos atrás.
Enquanto a água cai na sua cabeça aliviando as dores causadas por algumas doses de vodca misturadas com red bull e uma boa quantidade de cervejas, Gabriel pensa em como tudo pode chegar no ponto em que está. Suas divagações matinais apenas o levam a crer mais fielmente que o mundo passou na frente dele, lembra da voz de Nando Reis cantando “...o mundo está ao contrário e ninguém reclamou...”.
Senta na frente do computador para escutar algumas músicas, seleciona um disco antigo entre tantos disponíveis e deixa Van Morrison tomar parte de sua alma por algumas horas, enquanto bate conversas vãs pelo msn e seleciona alguns blogs para ler criticas de discos. Na sua frente uma pilha de papeis, problemas que precisam ser resolvidos com urgência mas que vão esperar por um dia melhor para isso.
A conversa do sábado a noite, ainda ecoa na sua mente, porque cargas d´água tudo sempre tem que terminar mal? Se pudesse matar o idiota que inventou o telefone celular com certeza ele faria isso hoje sem hesitar. Ele nunca disse adeus, nunca disse que esqueceria fácil, nunca afirmou que não sentia mais nada, apenas se afastou por saber que amar algumas vezes é deixar ir embora. Por mais dificil que isso seja.
E enquanto entra no carro para almoçar em algum lugar para depois encontrar os amigos e tomar uma cerveja antes de ir para o estádio torcer para o time que é fã, Gabriel apenas olha ao redor sem muita convicção de que a profecia que lhe fizeram há alguns anos de que sua vida seria especial se concretizará algum dia, e no momento em que passa na rua dela, naquela rua que tanto gostava de estar, os Beach Boys invadem o som com “Wouldn´t Be Nice”. E ele apaga o número dela mais uma vez, mesmo sabendo que isso de nada adiantará.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

A Carta De Alice

Domingo. Em casa ele se recuperava da ressaca provocada por inúmeras doses de vodca banhadas a Red Bull em um show de rock cheio de pessoas as quais não conhecia. Resolveu então para passar o tempo, mudar as coisas do seu quarto pela sexta vez nos últimos seis meses. Mexendo e remexendo, verificando ângulos e personificando conceitos vendo um livro de Feng Shui aberto no chão.
Tenta puxar uma mala, mas ela se despeja contra o chão arremessando milhares de papeis e envelopes, anos e anos que não são mais nem sequer lembrados. Ele reluta, começa a jogar tudo de volta na mala, sem olhar muito, sem pensar muito, mas então vê um pequeno envelope azul, com um Garfield sorrindo e as lembranças tomam de assalto a sua mente.
Abre o envelope. E lá está ela. Imutável. Parece que não se passaram os 10 anos que sua mente acusa. É uma carta. A carta de Alice. A carta que passou tanto tempo lendo e relendo, naquilo que julgava ser um grande caso de amor, naquilo que parecia ao mesmo tempo abençoado pelo toque da paixão e amaldiçoado pelo bom senso. A carta de Alice. A carta que ela jurou nunca escrever. Mas que escreveu como despedida.
Ao reler a carta, lembra de um tempo que parecia tão sem graça, mas que deixou suas garras marcadas no peito, suas doenças a espera de uma cura, seus sorrisos cientes de que não foram em vão. Quando chega no trecho “...e apesar de o mundo parecer que não foi feito pra gente ficar junto, eu te proponho mudar de mundo, eu te instigo a sair de tudo isso, esquecer de todos (...) eu só preciso dizer que te amo e apesar de que possamos ficar distantes, você vai ser com certeza o amor da minha vida. Para sempre”.
Palavras tão infantis vendo agora, tão sem sentido, mas que na época representavam quase o mundo por inteiro, quase a própria vida. Uma lágrima se arrisca a saltar dos olhos, mas é imediatamente paralisada contra um guardanapo sujo. Ele não precisa mais disso. Nem ela. Um dia precisaram é verdade, mas o tempo curou de apagar tantas manchas, de segregar os sonhos, de erradicar as ilusões.
Hoje a sua vida não tem mais espaço para essas coisas, segue vivendo em um “piloto automático”, onde tem do bom e do melhor, vive em mundo realmente interessante para ele, se vê como uma pessoa respeitada, realizado dentro da sua profissão. A sua vida de hoje não tem mais espaço para paixões. E mesmo julgando isso uma grande fragilidade do seu ser, ele não vê como mudar, o caminho está fechado. Há tempos.
Não há mais espaço para Alice. Sua bela Alice hoje não existiria. Nem a sua carta. Alice foi embora. E enquanto acabava de arrumar seu quarto, uma antiga canção tocava seus últimos versos no som : “there´s nothing else i can really do at all...” O telefone toca e ele se arruma para curtir outra balada pela cidade. Com mais emoções compradas e risos sem Alice.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Bloco do Eu Sozinho

Carnaval. Desengano. Ainda mais para um indie de alma (e nem tanto de corpo). “Eu não gosto dos G.R.E.S mas em fevereiro...”. Continuo não gostando, desculpe John e Fernanda, mas não gosto mesmo. Mas sabe como é, festa underground de carnaval na cidade, enquanto todos estão para o interior atrás da mais nova moda, eu vou! Afinal, “...toda banda tem um tarol quem sabe eu não toco, todo samba tem um refrão pra levantar o bloco...”
Lá chego, compro uma cerveja, converso com outros amigos indies sobre a importância do Sonic Youth no contexto da música americana atual ou de como não se agüenta mais escutar Franz Ferdinand, entre olhadelas para as meninas de cabelo vermelho, dançando com seus copos na mão e balançando suas saias vistas de perto por seus coturnos e tênis all star.
Banda tocando, esfrega esfrega na frente do palco, conversa com um amigo para dizer para a amiga dele que eu to a fim da amiga da prima dela, enquanto urro e canto aquela letra da canção mais estranha da banda só para impressionar. Dá certo. Ouço um comentário tipo: “Ele conhece todas mesmo, que massa...” E ela é bonita. Não posso esquecer. Bonita, ruiva e com uma camisa do Mundo Livre S/A. Já to apaixonado. Um indie apaixonado.
Saímos para conversar, rola o lance, o lance se enrola entre beijos deliciosos e meio sujos de tanto suor e cerveja, esquentando o clima. Acaba a festa, saímos para tomar mais uma na conveniência mais próxima, enquanto minha cabeça simula dias futuros, shows vistos lado a lado, mas me acalmo, “...deixa ser, como será quando a gente se encontrar...” Papo de indie intelectualizado que não cansou de ler Roberto Freire.
Não trocamos telefone, mas marcamos pegar um cinema no outro fim de semana no Cine Estação, algum filme de um diretor europeu cultuadissimo, mas que eu não sabia nem perto quem era. Nada que o Google não resolva. Santo Google. Um dia ainda peço para alguém lhe fazer uma oração. No cinema, nós dois limpos, meio arrumados, totalmente caretas e a química parece ter sumido. Assistimos o filme, mas não chega a rolar nada só um beijinho de despedida. Trocamos telefone, mesmo sabendo que não vamos nos ligar.
Noite. Em casa. Na frente do computador. Cara de bode. “...Depois de ter vivido o óbvio utópico te beijar...” É foda. Porque sempre dá errado. Dessa vez parecia que ia dar certo, dois meio iguais, sentados namorando enquanto tocava Teenage Fanclub ao fundo, trocando confidências sobre o melhor disco dos Beatles, a cena mais intrigante do Godard ou o melhor livro do G G Márquez. Mas, não foi dessa vez.
Acho o profile dela no orkut. Ainda tento uma reaproximação. Convido para sair, ir ver o show do Suzana Flag no Memorial, mas na rola. Dá vontade de dizer: “Abre os teus armários eu estou a te esperar...” Tempo que passa. Minha columbina se foi e me deixou como um pierrot abandonado. Puto e abandonado.
Semana Santa. Não viajo. Quero que o mundo se foda. Mas tem outra festa no mesmo lugar. Eu sou teimoso. E vou. Vejo ela com outro, tento ficar com raiva mas não consigo. “...Hoje eu quis brincar de ter ciúme de você mas sem...” Velha rotina reestabelecida, cerveja na mão, discussões indies e avisto-a, uma “ela” que nem se compara com a antiga “ela” que se esfrega num publicitário de meia tigela no balcão.
Esse ela é muita mais linda e que piercings são aqueles, a tatuagem então, putz! com corações entrecortados, ah....me apaixono de novo, “...quem é mais sentimental que eu?...” E parto em uma nova investida amorosa, com meu papo pseudo intelectual procurando uma nova paixão. Quanto à outra, que siga sua vida, pois no fim das contas, “...todo carnaval tem seu fim...”

sexta-feira, 20 de abril de 2007

A Marcha Dos Falsos Contentes

Ele passava na rua meio cabisbaixo, quando ao longe escutou alguém dizer que o tempo não para. Ele acreditava que tudo seria diferente enquanto avistava as flores soltas murchando fora da água enquanto criava coragem para abrir o cartão barato que com certeza continha algum pedido de desculpa sincero. Ele destoava de todos enquanto andava na contramão, acreditando na bondade do ser humano que leu em livros mais antigos.
Enquanto fazia isso o mundo passava pela sua frente, deixando-o saborear pequenos pedaços, leves mordidas de prazer e satisfação quase sempre embrulhadas em papeis de desilusão e descompasso. Sabia que toda alegria seria precedida por uma tristeza miúda que logo seria surpreendida por um alvoroçar de sensações, comandadas por uma paixão avassaladora que não tinha hora para começar, nem tempo para terminar.
Resistir bravamente já não era capaz, tudo parecia risivelmente vulgar e banal, então naquele momento só restava se entregar, conceber ao desejo sem algemas ou pré-configurações. Mas lá no seu íntimo sabia também que tudo isso poderia ser maravilhoso, pois já não pensava em viver tudo isso novamente, algo que a vida já lhe renegara há tanto tempo. Ele sabia que dessa vez precisava insistir, cavar mais fundo do que suas mãos chegavam, cavar com dor para atingir a satisfação.
No fundo ainda escutava uma voz o atormentando afirmando que o tempo não para, coisa que para ele era quase uma verdade universal e não entendia porque aquilo lhe assustara tanto. Foi assim desde o inicio dos seus tempos, desde que gritou na chuva pela primeira vez ou quando fez juras cegas de amor mesmo sabendo que não iria receber algo em troca. Toda vez que tentava parar e jogar tudo para cima, lá vinha esse tal de tempo para avacalhar tudo e lhe arrastar para seguir a marcha dos falsos contentes, a caminhada por ídolos senis.
E hoje quando olha em volta tudo mais que lhe oferece viver novamente, tenta acreditar no que lhe ensinaram ser o destino, no que os poetas lhe disseram ser caminho. Os seus olhos não fazem parte desse coro e enxergam novas chances, possíveis recomeços que logo são informados ao coração que faz a sua parte para iludir a tão sensata e tão infantil razão. Cabe a ele lembrar nesse momento o que aquela voz lembrava do tempo que não para e caso ele aceite essa pequena e ínfima verdade, a dádiva de começar de novo lhe será concedida, desde que dessa vez ele consiga cavar pra valer.
P.S1: Texto antigo encontrado em meio a alguns outros da época da universidade, sem data mas deve ser de 2001,2002.
P.S2: A imagem é uma escultura do australiano Ron Mueck, o qual todos deviam conhecer seu trabalho.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Uma Sexta-Feira Qualquer

Sexta-feira é o dia mais propicio da semana para sair de casa, tomar uma cervejinha, bater um papo com os amigos e lá pelas tantas dar uma esticada até uma festa qualquer. Marcos Roberto um belo dia resolveu cumprir todas essas etapas. Fazia um bom tempo que não saia de casa e naquele dia como era seu aniversário resolveu chamar os velhos amigos de guerra para relembrar aquilo que chamava saudosamente de "bons tempos". Os amigos se assustaram de inicio com o convite, mas como são muito difíceis, aceitaram quase que de imediato.
Inventaram desculpas para a esposa, no trabalho mataram algum parente distante pela décima vez, brigaram por motivos estúpidos com as namoradas, mas todos saíram, afinal de contas não podiam perder essa chance. Nunca mais tinham visto o Marcos Roberto e além de tudo ele iria pagar a conta, coisa rara de acontecer, devido digamos assim a seus termos "econômicos". Todos estavam curiosos para saber o motivo dessa gandaia, saber o que tinha acontecido de grave para que tal situação estivesse ocorrendo.
Chegando no barzinho, os amigos em torno de oito mais ou menos, se abraçaram e começaram a conversar, estavam todos lá, entre eles o Cardoso, que era o piadista da turma, Zezinho, o mulherengo, Clóvis, o mentiroso, Henrique, sempre idealista, Pablo, o bêbado sempre chato, Tião, o metido a brigão e claro que o Almeida também se fazia presente, típico gordinho enjoado que é sempre avacalhado e que existe em qualquer turma.
Começaram a beber, passaram por todos os caminhos da lei dos 20 chopes, mas uma pergunta não parava de rondar, sussurrada aos quatro cantos da mesa: "O que será que aconteceu com o Marcos Roberto?". Várias enquetes rolavam paralelamente na mesa, mas ninguém tinha coragem de perguntar diretamente. Coisas do tipo:
- "Será que a Carlinha pediu o divórcio?", conspirou o Zezinho, já meio interessado;
- "Pois eu digo que o Marcos foi demitido, me contaram", falou o Clóvis;
- "Eu acho que ele tem é pagar mais uma...", soluçou o Pablo;
- "Pois eu acho é que ele tomou coragem e resolveu finalmente assumir seu lado gay...", falou o Cardoso para a risada de todos na mesa.
Como ninguém perguntou nada, o Marcos Roberto (nome de cantor brega, não?) convidou a galera para ir a uma festa qualquer. Chegando lá aconteceu o normal, rolaram algumas cantadas fajutas para as meninas que não deram em nada, alguns vomitaram, rolou uma porrada devidamente provocada pelo Tião, subiram no palco para cantar, alguns namoraram e por aí vai.
Às 06:00hs da matina, já amanhecendo e comendo uma tapioquinha com café para não perder o antigo hábito e ajudar a curar o porre, onde já rolavam papos do tipo: "Ei cara, tu sabes que te considero para porra, tu é meu amigo mesmo...", foi quando Marcos Roberto pediu atenção pois queria falar. Todos se excitaram, recobraram o juízo, o Pablo coitado se levantou do chão onde estava deitado, o Almeida parou de comer sua sétima tapioquinha no mesmo momento, pois finalmente eles iriam saber o motivo que tinha levado a toda aquela farra inusitada.
"Olha galera, o motivo que me levou a comemorar meu aniversário este ano...", começou o discurso, "Foi que eu vou embora semana que vem, fui promovido e me mandarei para a Inglaterra com a Carlinha e com o bebê que ela tá esperando, é, vou ser pai também e essa deve ser a última vez que verei vocês em um bom tempo, então queria me despedir em grande estilo...". De repente, rolou um "aaaaaahhhhhh...." entre os amigos, foi uma decepção geral. Todos esperavam algo bombástico, revelador e acontece isso, é exatamente igual quando o seu time em uma decisão de campeonato precisa de um gol desesperadamente e já são 48 minutos do segundo tempo, quando o camisa 10 vem driblando, driblando, driblando, tira o goleiro, fica sozinho e chuta para fora. A decepção fora a mesma.
Depois, todos se abaraçaram, o Pablo, o Almeida e até mesmo o grosso do Tião choraram, o Clóvis começou com as suas dizendo que já tinha ido a Inglaterra muitas vezes e que ficava ali pertinho da China, entre outras. Confirmaram sua amizade mais um bom número de vezes e se despediram com um certo ar de tristeza no rosto, não exatamente pela partida do seu grande amigo, pois é claro que ele ia fazer falta, que estavam alegres pela promoção e pelo bebê, mas principalmente por se armarem tanto para receber uma notícia daquelas, um furo jornalístico para ninguém botar defeito e não acontecer "nada".
Estavam na verdade putos com o Marcos Roberto por isso, pois afinal de contas era sexta-feira e apesar de terem se divertido muito e gastado quase nada, não era aquela a notícia que queriam naquela noite. Ele podia ter feito um churrasco no sábado de manhã ou deixado para segunda, sabe se lá. Agora, vá entender...

sexta-feira, 30 de março de 2007

Salve o Escroto

Entre um copo de cerveja e outro, dentro de um ônibus no sufoco, escutando um disco escroto, jogando pragas para a vida sem gosto, dá para fazer muita coisa. Uma delas é tratar pactos que nunca serão cumpridos, metas que não vão sair do papel, definições para uma mudança de personalidade que por mais que te deixe puto, você não vai conseguir fazer.
Nesses termos bati um papo com a força superior que rege o universo, dentro do Departamento de Reencarnação, recém reformulado para atender recursos e impugnações sobre vidas futuras. Dei entrada no meu processo. Pedi uma revisão de atos, explicando que apesar de gostar bastante das coisas que faço, queria experimentar coisas novas que minha atual personalidade e meu propenso caráter não me deixam fazer.
Quero ser escroto. Muito escroto. Mas nenhum traço de bondade em mim. O tipo da pessoa falsa, sem palavra, que vive das desgraças das outras. O tipo de pessoa que não reluta em passar por cima de todo mundo, que vive tirando vantagem, contando bafo, mentindo e causando intriga. O tipo de cara que não é fiel a nada. Nem aos seus amores e muito menos ao seu trabalho e ideais.
O tipo de cara canalha, não o bom canalha, o charmoso canalha, mas o pior tipo, aquele que não se prende a nada, que cria situações que não pode sustentar, que discute quando tem que calar, que mente quando tem que rezar, que amargura ao invés de amar. O cara que não escuta ninguém, que é comentado por tudo e por todos como um grande filho da puta, que ninguém confia ou acredita.
Porque é desse tipo de pessoa que o mundo é feito e andar na contramão às vezes cansa, às vezes te arremessa contra as coisas mais banais. Nadar contra a maré é complicado demais, mesmo para quem sabe nadar. Não há voltas. Na há retornos. Não há muita coisa para ser sincero. O escroto é o dono do mundo. E na próxima encarnação solicitei para ser também.
O escroto esquece de tudo, mas não esquece de si mesmo, quanto mais coisas ruins faz, mas aumenta sua moral na sociedade. O escroto não teme ninguém, aliás, o escroto não conhece ninguém. O escroto não ama, escraviza. O escroto não é companheiro, é traiçoeiro. O escroto não vê o mundo, ele é o mundo. E assim o escroto é admirado mesmo por aqueles que não gostam dele. E transformando tudo ao seu redor contamina com seu vírus aqueles que ainda tentam não ser assim.
Dentro do requerimento enviado, tem uma segunda opção. Caso me seja negado a grande alegria de ser um tremendo filho da puta na próxima vida, peço pelo menos para não renascer aqui. Reencarno como uma pedra na lua, um grão de areia em marte ou qualquer outra coisa. Topo qualquer parada. Porque se não for para ser um escroto, começo a achar melhor nem estar aqui.
Se quiserem mando uma cópia para darem entrada também.
P.S: Trilha do Post: "Agora eu sou o vilão" - Bazar Pamplona

segunda-feira, 12 de março de 2007

Polo Norte

E de nada se faria tudo, já diria sozinho calado o mudo
Quando não acontecem nossos sonhos, alegres e risonhos
Escancaramos portas entre os dedos, partilhamos nossos medos
E de repente tudo não faz mais sentido, tudo se vê partido
É quando deixa de se falar, a preocupação não está mais lá
O orgulho adentra teu coração, explode os muros da razão
E pouco interessa o que se tinha, a solidão está sozinha
Os dardos são arremesados no chão, o que era vida vira não
E as palavras já ecoam para ninguem, uma triste e quente Belém
Nada suporta nossa falta de sorte, onde és polo sul, sou norte
Viramos opostos num mar vazio, o amor se torna um ódio arredio
E acabamos menos belos, preferindo momentos vãos e infestos
E de repente o gelo é quebrado, por um descuido desacerelado
Devagar tudo volta as velhas vitrines, as rotinas chegam sublimes
Tudo caminha na maior alegria, arremedos práticos de nostalgia
E tudo termina como começou, um falso amor que nunca acabou

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Nada Poderia Mudar

“Eu não em importo” disse batendo a porta do carro e entrando na sua casa sem olhar para trás, enquanto caminhava a passos largos para seu recanto habitual. “Se importar” sempre foi muito fundamental na sua vida, era algo que fazia com maestria, mas já há muito tempo não se importava mais, só queria viver sua já tão combalida vida.
Sentado no seu quarto em meio a fotos num mural que lembrava tempos muito melhores, tempos bem mais honestos, ele quase se pegava chorando. “Pura besteira”, pensou enquanto colocava um velho disco do Morrisey dentro do computador e abria uns arquivos esperando continuar seu trabalho que se atrasara tanto nos últimos meses.
Nunca fora lá muito esperto na frente dos amigos, sua função sempre foi a do sonhador, a do bom rapaz, uma farsa que sustentou até quando pode, pois lhe convinha muito bem, pois não precisava se envolver em toda a porcaria que a sociedade ao seu lado produzia. Sempre precisava acreditar e assim seguia em frente, mas há tempos isso não acontecia mais. Tinha estancado como um burro e não havia mais ninguém para lhe dar umas chicotadas para que voltasse a andar.
Enquanto os versos “...the more you ignore me, the closer i get...” ecoavam junto ao riff de guitarra no seu som, pensava em como tudo mudara, aliás, pensara em como deixara tudo mudar. Na verdade grande parte da culpa era sua, por ter deixado de se importar, por ter deixado que quem gostava fosse saindo de sua vida, que deixasse sua vida passar sem fazer os alardes de outrora.
Desligou o computador, ajeitou sua cama, preparando-se para mais uma noite de insônia que viria pela frente, sabendo que pensaria em mil formas de viver durante a noite, mas que quando acordasse seguiria os mesmos últimos passos da sua vidinha banal. E nada poderia mudar. Nem os dias, nem seu lar.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Nós (2)

Estamos sós, vindos de nós
Certos, acabados decerto
Inúteis, como o tempo
Inertes de prisões, somos vento
Escapando de orgias intelectuais
Subindo em trapézios velhos
Viramos o que não temos
Balançando e caindo sempre
Sem luz em meio a mentiras
Sem gosto na hora da comida
Decepções sem nexo algum
Vontades reprimidas no ar
Caminhos que ficam imóveis
Historias que sucumbem sem fim
Mais um dia, outras lugares
Completos amores sem qualidade

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Nós (1)

Nós, estranhos que somos de nós
Endeusados em meio a montes de pó
Enlameados com palavras de traição
Enxugados pelo sabor da imaginação
Nós, andantes de uma vida roubada
Frutos secos de uma geração furada
Embriagados por sentimentos incertos
Desconexos com as pessoas decerto
Nós, sonhadores que um dia fomos
Sucumbimos para o que não somos
Deixamos juras eternas em aberto
Invadimos um coração no deserto
Nós, que agora apenas vivemos
Morremos aos poucos e não sabemos
Insistimos no erro que já nos foi julgado
Escolhemos sempre o caminho errado