sábado, 19 de julho de 2008

A Sociedade dos Robôs Sem Nome

Noite fria. Coisa rara. Dentro do ônibus dá para ver a cidade enquanto ela pensa em dormir, afinal de contas é segunda feira, são mais de onze horas da noite, ela já deve estar para dormir. Mesmo que se saiba que não de maneira completa, pois em uma cidade como essa, há pessoas para toda a sorte, para todo sofrimento, como também para todo tipo de alívio, seja este substancial, ilegal ou profissional.
Enquanto desce na parada em que ainda deverá seguir mais umas três quadras de ruas sujas e empoeiradas, a cabeça voa enquanto passa na frente da casa de Margareth, a doce e cruel Margareth que tanto lhe deu carinho mas lhe abandonou por um carinha velho e gordo para poder morar na Zona Sul. Ela lhe disse: “Vou ter vida de rica, de madame, nada desta merda aqui. To subindo de vida e isso importa mais do que tudo.”
Mesmo sem ter estudado muito ele não entendia a parte do “desta merda” já que tanto ela lhe falava quando estavam juntos e também não entendia como ir embora com um cara velho e gordo era subir na vida. Vai ver as mulheres não prestam mesmo, pensava ele, enquanto abria o primeiro dos seis cadeados que guardavam sua casa de quarto e sala, sem tratamento de água e esgoto e com a rua da frente sem asfalto, só com a poeira subindo.
Antes de se jogar na cama depois de mais um dia, ainda parou para ler uma revista dos X-Men, a única que acompanhava, apesar de ter desejo de comprar muitas mais. Os gostos de infância precisavam ser deixados de lado pela sobrevivência. Enquanto dormia, Margareth passou pelo seus sonhos, lhe causando ainda uma ereção depois de tanto tempo e depois o sono foi pesado, sem direito a mais nada.
O despertador toca. Cinco e meia da manhã. Hora de levantar e tomar rumo para o trabalho. Enquanto atravessa a cidade no primeiro dos dois ônibus que precisa pegar, o celular, comprado a muito custo em 12 vezes, toca uma música antiga, de uma banda antiga que ele gosta muito. A música é “Faroeste Caboclo” do Legião Urbana e causa uma pequena viagem na sua cabeça, enquanto ele sonha com outra vida, outro trabalho, outra força.
Dia chuvoso. Coisa normal. Durante a corrida do dia a dia para carregar as malas dos hóspedes do hotel de luxo em que trabalha na orla da cidade, ele nada mais pensa, apenas funciona como uma máquina, um pequeno robô sem nome, sem identidade a correr atrás de migalhas vestidas de gorjetas, que tem prazo de validade e normas para seguir. Ao seguir sua vida, ele passa por tantos iguais, que como ele, funcionam para guiar uma máquina maior chamada sociedade, sem que eles percebam ou mesmo reclamem. Afinal, para o mundo eles apenas funcionam.