terça-feira, 18 de março de 2008

Mantra

“Calma. Isso vai passar. Você sabe que vai, sempre passa.” Da mesa ao fundo bar dava para ver a noite caindo sem pressa, sem a menor preocupação. Dava para ver os carros começando a se engarrafar uns quarteirões à frente na fatídica hora do rush. Dava para ver o rosto refletido no espelho ao lado, um rosto combalido apesar dos vinte e poucos anos. E enquanto Camila passava a mão na sua mão e trocava palavras de esperança, Cláudio já não acreditava em nenhuma delas.
Havia sido assim nos últimos seis ou sete anos mais ou menos, desde que os dois amigos de infância saíram da pequena cidade do interior em busca da sorte e de uma boa universidade na capital do estado. Aquele pequeno bar perto de onde moravam (hoje, já não mais juntos, mas ainda assim próximos), serviu de palco para inúmeros porres, desesperos e comemorações além de homéricas sessões de terapia. Quase que sempre de Camila para Cláudio.
Cláudio era o típico cara que onde passava fazia amizades, as pessoas realmente gostavam de estar com ele, mas ele nem sempre gostava de estar com as pessoas, apesar de amá-las quase que incondicionalmente, preferia por muitas vezes ficar só. Por isso escolheu fazer Letras e Publicidade. Queria ser escritor. Sentia prazer em ser outra pessoa apenas ficando sozinho. E hoje trabalhando na redação de um jornal e escrevendo sobre cinema para uma pequena revista encaminhava bem seus sonhos.
Mas Cláudio sempre teve um sério problema. Sempre escolheu a pessoa errada para se apaixonar. E como ele se apaixonava. Em qualquer esquina, em um show chinfrim, na sala de aula. E quase sempre o relacionamento que ele sonhava, terminava. E lá ia chorar suas tristezas no ombro de Camila, sua fiel amiga e confidente ao qual já amparara algumas vezes também, apesar de nos últimos anos isso ser mais raro, pois ela estava noiva de um grande amigo seu.
Camila sempre lhe dizia que ele era uma mistura de Dom Quixote e Don Juan, um Don Juan às avessas, que conquistava demais, mas sofria muito por suas percas. Hoje enquanto Camila passa a mão dela no seu cabelo dizendo que tudo vai passar, que mais uma desilusão amorosa vai embora, Cláudio lembra dessa comparação e começa a rir, dizendo que talvez seja isso, talvez tenha nascido na época errada, na época em que o amor é tão subjugado e cheio de regras ao mesmo tempo em que tudo soa tão livre.
Depois de umas duas horas, pagam a conta e vão caminhando para a rua em que habitam em dois prédios bacanas de classe média e que bancam hoje já sem a ajuda dos pais. Camila fala para ele ligar se precisar de mais alguma coisa e repete que tudo vai passar, sempre passa. Cláudio dá um abraço longo finalizado com um beijo na testa e agradece, dizendo que ele não seria nada sem ela. Ela se vira e enquanto caminha, Cláudio entra no seu prédio sem antes virar mais umas três vezes, para desistir em um lamento.
Vai passar, sempre passa, repete como um mantra enquanto entra no quarto, liga o som e bota um disco do Lou Reed para tocar.

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