segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Como uma vida qualquer

Meu nome é Marcos Almeida, não, não tenho nenhuma virtude em especial, sou apenas um cara normal cansado de correr na direção contrária sem pódio de chegada, ou beijo de namorada. Tenho uma vida como a de qualquer outro, sou cidadão respeitável, cristão convicto, burguês padrão, consegui passar no vestibular pela primeira vez aos 16 anos. Hoje tenho 28.
Nessa vida que passa já fiz de tudo, já passei por poucas e boas, já fui punk, new wave, comunista, grunge e o que mais pude ser, hoje sou apenas o Marcos Almeida, nada demais. Nesses anos consegui um bom trabalho, uma boa casa, vivo muito bem para um solteiro na minha idade, tenho meus luxos e minhas idiossincrasias como qualquer outro mortal, tenho até sonhos de vez em quando, imagine você.
Aliás, você deve estar se perguntando porque estou te contando tudo isso, afinal de contas o que você tem a ver com a minha vida? Já tem tantos problemas e ainda tem que escutar minhas besteiras. Na verdade, nem eu sei ao certo porque estou lhe contando isso, acho que no fundo percebo que tenha alguma importância, seja lá qual ela for. Acontece que apesar de toda essa vida boa que Deus me ajudou a construir, nunca me senti completo, feliz de verdade. Me vestia em diversas caricaturas e ia embora, seguia a vida. É claro que vivi muito, muito mesmo, afinal de contas se chorei ou se sofri o importante é que emoções eu vivi, já dizia o Robertão, só que minha vida ainda parecia vazia, sei lá faltava um sentido.
Foi quando na empresa inventaram um "diabo de projeto de responsabilidade social", pensara eu, "tantos projetos a serem terminados, tantos clientes a serem conquistados e querem que a gente perca tempo com isso, não tem condições". Mas, como era obrigado participar devido aquelas baboseiras que de vez em quando passam pela cabeça do setor de RH (Sinceramente, você já viu algum setor que muda de idéia com mais freqüência que o RH ? ), eu fui.
Fomos a um desses subúrbios, visitar uma creche que a empresa prestava auxilio financeiro, não por mera bondade é claro, e sim devido aos descontos que poderia obter no Imposto de Renda e ainda passar uma boa imagem aos seus clientes, mero marketing. Lá chegando, participamos de algumas brincadeiras idiotas com as crianças, imagine só; senhores no alto dos seus 50 anos, brincando de dança da cadeira com crianças de 5, sinceramente não dá. Depois de um tempo, já cansado, sentei em um banco pra respirar e reclamar da minha vida comigo mesmo, (coisa que faço com inegável maestria), quando chegou um menino de no máximo 8 anos , que vendo meu cansaço, perguntou se queria água, respondi que sim e ele prontamente se dispôs a ir buscar, trouxe, se sentou e começou a conversar comigo.
De súbito, empolgado pelo sorriso daquela criança que me contava como era sua casa, sua escola , sua vida, me dizendo o quanto queria ter aquele brinquedo que via na TV chamado vídeo - game, só que infelizmente sua mãe não podia comprar, que às vezes só comia uma vez por dia, lá na própria creche, pois quando chegava em casa não tinha comida para ele e seus cinco irmãozinhos, e que apesar de todas essas coisas ainda vivia sorrindo, sonhando em ser bombeiro quando crescesse. Para minha surpresa, perdi a noção do tempo e do espaço ao me ver conversando sobre as maiores questões do universo infantil, como se um dia o pessoal da caverna do dragão ia conseguir voltar pra casa, se o Smurf apaixonado ia conseguir namorar com a Smurfete, se o Tom nunca conseguiria pegar o jerry, se o Coiote pegaria o Papa Légua e coisas do tipo.
Me despedi do menino cujo nome era João, e fui pra casa. No conforto do meu sofá assistindo um seriado americano igual a todos os outros seriados americanos que passam na TV a cabo, percebi que era isso que faltava pra mim, faltava ajudar alguém, fazer algo de bom, que saísse das minhas questões de trabalho, do meu dia a dia, ajudar a conquistar algo mais que somente aquilo que eu queria.
Me juntei com mais quatro amigos e hoje damos uma pequena ajuda financeira a creche, besteira pra gente, coisa que gastaríamos em um final de semana qualquer, mas uma imensidão para aquelas crianças. Conseguimos também, que nossas empresas doassem alguns computadores velhos que não usavam mais e todo sábado de manhã ensinamos essas crianças a utilizar o computador, depois ainda jogamos bola com eles de vez em quando, e sempre saio de lá revigorado, vendo o sorriso do menino João, que me dá novas forças pra continuar a minha vida como ela sempre foi, só que agora com um pouco mais de sentido.
Por que lhe contei isso ? Não sei , quem sabe você saiba.

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